Divisão dos Arquivos

O Blog Pablo Neruda Brasil está apresentado em quatro seções obedecendo à data de publicação da matéria:

Arquivo Cecilia Zokner

Os breves textos sobre a poesia de Pablo Neruda foram publicados sob a rubrica Literatura do Continente no jornal O Estado do Paraná, Curitiba e fazem parte, juntamente com outros textos versando sobre Literatura Latino-americana, do Blog http:\\www.literaturadocontinente.blogspot.com.br. Os demais, em outras publicações.

Arquivo Adriana

Chilena de Concepción, amiga desde 1964, quando convivemos em Bordeaux, ao longo dos anos me enviou livros e recortes de jornal sobre Pablo Neruda. Talvez tais recortes sejam hoje, apenas curiosos. Talvez esclareçam algo sobre o Poeta ou abram caminhos para estudos sobre a sua obra o que poderá, eventualmente, se constituir uma razão para divulgá-los.

Arquivo Delson Biondo

Doutor em Literatura na Universidade Federal do Paraná. No ano do centenário de nascimento de Pablo Neruda, convidei Delson Biondo, meu ex-aluno do curso de Letras para trabalharmos sobre “Las vidas del Poeta, as memórias de Pablo Neruda”, constituídas de dez capítulos, publicados, em espanhol, na revista O Cruzeiro Internacional, no ano de 1962. Iniciamos o nosso trabalho com a sua tradução, visando divulgar, no Brasil, esse texto do Poeta que somente anos mais tarde iria fazer parte de seu livro de memórias Confieso que he vivido. Todavia, várias razões impediram que a tradução fosse publicada no Brasil, mas continuamos a trabalhar sobre “Las vidas de Poeta” no que se referia aos aspectos formais comparativamente a esses mesmos textos que passaram a fazer parte de Confieso que he vivido. Além desse estudo comparativo, pretendíamos nos aproximar, minuciosamente de cada um dos capítulos de “Las vidas del Poeta”. A comparação foi realizada e o estudo do primeiro capítulo concluído. Estávamos já, terminando a redação do estudo do segundo capítulo quando Delson Biondo veio a falecer em maio de 2014. Assim, as notas comparativas dos textos nerudianos e o estudo do segundo capítulo de “Las vidas del Poeta” não foram concluídos. Penso que a eles nada devo acrescentar.

Arquivo Aberto

Arquivo Aberto à recepção de trabalhos escritos em português ou espanhol que tratem da obra de Pablo Neruda, obedeçam às normas da ABNT e sejam acompanhados de um breve curriculum do autor. Os trabalhos poderão ser enviados para publicação neste Blog pelo e-mail pablonerudabrasil@gmail.com.

28 de novembro de 2004

De leis e emoções


            Atenea, publicação semestral, editada pela Universidade de Concepción, foi fundada em 1924 e no seu número 489, homenageia  Pablo Neruda com trabalhos de Alain Sicard, da Universidade de Poitiers (França), que possui um dos mais respeitados centros de pesquisa latino-americana da Europa, de Hernán Loyola organizador das Obras Completas do Poeta, publicadas em Barcelona e dos professores e pesquisadores chilenos, Dario Oses, Enrique Robertson e Mario Rodriguez F. Trabalhos que analisam a temática da luz e da sombra, “as duas poéticas que constituem a poesia nerudiana, sua articulação e inseparabilidade”;  a noção da morte que o Poeta introduz nos seus versos como uma entidade que, deliberadamente, evita nomear; a imagem da amante invisível, a sua relação com os livros, a amizade com Picasso, as conexões possíveis entre Residencia en la tierra e o Canto General. A partir de textos precisos do Poeta, de fatos e documentos ainda não estudados, fazem parte desse mar de palavras, alçado neste ano, procuram aproximar-se da obra do Poeta com o “rigor indagativo” que a sua obra merece.
            Na sua  segunda parte, Atenea oferece testemunhos de amigos que o mostram em momentos originados de uma convivência do cotidiano e, ainda, reproduz a conversa do Poeta com a jornalista Sara Vial, em março de 1965, um pouco antes de ir à Inglaterra onde receberia o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Oxford. Entrevista publicada em La Nación, no dia 28, reproduzida no livro Neruda em Valparaíso, em 1983 e agora, outra vez, vinte anos passados. Nela,  Neruda fala sobre Valparaíso, cidade que o encanta a ponto de dizer que é “a melhor obra de Deus” o que, na verdade é pouco em relação às palavras que lhe dedica no seu livro de memórias. E sobre essa casa que ele comprou a meio construir e foi terminando com paciência e com tempo e que se tornou cenário para esses objetos de sonhos revisitados que lhe foram tão importantes possuir como o cavalo da selaria de Temuco. Menciona o novo livro que irá ser publicado nesse ano no Chile, Arte de pájaros e, indignado, a carta em que o Inspetor de Obras Municipais determina que mande podar as árvores de sua casa ou extirpá-las de vez para evitar que novas reclamações dos vizinhos sejam feitas e para cumprir com as leis de Construção e Urbanismo. O Poeta pergunta, perguntando-se, como responder a essa carta – permitindo que destruam  as suas árvores, sua casa, as rochas?  – e, esperançoso, admite que a municipalidade, ao não poder enfrentar o mar e exterminá-lo, pelo menos, terá que deixá-lo à margem de seus regulamentos.
            Se as árvores de suas casas continuaram crescendo, a revelia dos vizinhos implicantes e das leis municipais ou por essas leis destruídas, poucos são os que podem testemunhar. Mas, nas palavras que deixou escritas, elas se erguem  perenes na descrição do bosque chileno na primeira página de Confieso que he vivido  e nas odes à araucária e à acácia mimosa.
 “Oda a la araucaria araucana” (in Nuevas odas elementales) é um longo louvor à árvore (“dura”, “bela”, “torre do Chile”, “pavilhão do inverno”, “nave de aroma”, “coroa verde”, “pura mãe dos espaços”, “lâmpada do frio”) e a seus frutos (“farinha, pão silvestre/do indomável/Araucano”, “fruta, o pão derradeiro da pátria”, “pão de valentes,/alimento/escondido/na molhada aurora/da pátria”). Porque ela presenciou as guerras que dizimaram os índios Araucanos (“A cruz,/a espada,/a fome”). Porque dela o Poeta deseja a resistência contra os males, a proteção para o seu sentir, para aqueles que ama, para os ombros dos valentes.
            Em “Oda al aromo” (in Tercer libro de las odas), seus versos dizem primeiro da emoção ao perceber “uma montanha/de luz amarela,/uma torre florida” e o perfume que se espalha: a acácia mimosa, construída de “mel e de perfume” e em que ele vê “a catedral do pólen,/a profunda/cidade/das abelhas”. E perde a voz diante da árvore cuja presença é feita da cor: “amarela/como nenhuma coisa pode ser,/ nem o canário, nem o ouro,/nem a pele do limão, nem a gesta” e da essência que exala: “explosão do perfume”.  Então, ele a proclama “colméia do mundo” e assumindo uma voz coletiva, “nós”, expressa  o desejo de ser vespa ou besouro silvestre para se fundir na ramagem amarela “até ser somente aroma”.

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 28 de novembro de 2004
           


7 de novembro de 2004

Outras respostas



            Esta  sucessão de interrogações foi ditada enquanto o poeta era levado a passear de carro pelos maravilhosos campos franceses, na véspera de regressar para morrer em Santiago. Assim inicia seu artigo “Qué pregunta el libro de las preguntas?” (El Mercúrio, Santiago, 9/7/2004) Luiz Vargas Saavedra. E, antes de se deter em algumas das perguntas que formam o Libro de las Preguntas, diz que Pablo Neruda não as quis organizar por tema e elas se oferecem no livro pela ordem em que foram criadas. Na verdade, ao longo de sua trajetória poética, Pablo Neruda nunca deixou de fazer perguntas. Em El libro de las preguntas suas indagações sempre são formuladas em estrofes de dois versos octassílabos e formam um conjunto que, no seu profundo lirismo, parecem valer apenas por si. No entanto, instigam não poucas respostas.
            Em 1991, para comemorar os vinte anos de atribuição do Prêmio Nobel a Pablo Neruda, as Academias Brasileira e Brasiliense de Letras e a Embaixada do Chile no Brasil, realizaram um concurso de poesia para homenagear o Poeta. José Túlio Barbosa, gaúcho de Bagé, autor de Rastro dos ventos (1989) e Corpo Sentido (1992), atendeu ao chamado, convicto de que uma homenagem a Pablo Neruda, exigia fidelidade cúmplice ao homem, ao poeta e ao político, sobretudo pela apaixonante e apaixonada personalidade em que fundiu, coerentemente, todas as suas facetas.  Em dez noites, ele escreveu, então, Vinte respostas a Neruda (segundo lugar entre mais de quatrocentas obras inscritas). Mas esse diálogo não lhe foi suficiente. Retomou o trabalho e aos vintes poemas acrescentou outros quarenta. Todos formam o volume Manhãs marinhas. Tributo a Neruda,  publicado pelo Instituto Estadual do Livro e pela Tchê! de Porto Alegre em 1994  e, quatro anos depois, em edição do autor.       
            Nas palavras que antecedem os poemas, José Túlio Barbosa diz não ser possível dar respostas às indagações do Poeta chileno; também, de seu encantamento por ter ousado como que tocar a imensidão de Pablo Neruda. Ao escolher, porém, alguns de seus poemas - motes perfeitos  que atravessam fronteiras lingüísticas e geográficas – cria versos que instauram um lirismo no qual se amalgama o sentir de um homem e o sentir de um homem do Continente. O de um homem na solidão de quem não expõe alegrias ou tristezas, que se angustia diante da vida cristalizada num presente vazio (Dormita a solidão em seus cais / à espreita / desde o último aceno / na névoa do horizonte / desde a primeira indiferença / que construiu a redoma / nos olhos de sal / dos que se foram / e nos deixaram / abandonados); que é submetido à dolorosa sina do existir (pesa a tocaia dos sonhos / assassinados em sorte vã) É o sofrimento de um homem do Continente que testemunha sobre o tempo de obscurantismo em que vive ( um, entre os muitos  tempos de obscurantismo) ao aceitar o repto de Pablo Neruda: Por qué en las épocas oscuras / se escribe con tinta invisible?, dizendo do sangue vertido à luz  da tarde; ou, em outros poemas, de mãos cúmplices e o cobre  das armas brutas, de gritos que incendeiam as noite,  de cadáveres surpreendidos / sob a lápide / de um silêncio complacente, de esqueletos descobertos / sob o gelo as calçadas. Expressando, ao responder Y si el alma se me cayó  / por qué me sigue el esqueletonão somente a agressão do sistema com suas ameaças, suas perseguições, seus assassinatos mas a indiferença dos que optam por ignorá-lo. Constatação cruel que irá reaparecer em outro poema, respondendo ao de Pablo Neruda: En que idioma cae la lluvia / sobre ciudades dolorosas?:  quatro versos breves, surpreendentes no seu poder de síntese e na força com que fazem constar  essa realidade do sangue derramado que, para aqueles que tem interesses a preservar, é como se não existisse: No ígneo idioma / do sangue / vertido até a fronteira / da cúmplice indiferença.
            Talvez (ou certamente) José Túlio Barbosa não responda, com exatidão, as questões nerudianas feitas, quem sabe, também, para ficarem sem respostas. E esses versos que entrelaça aos versos de El libro de las preguntas ele os constrói com a emoção  que habita na sua alma de poeta e com as certezas de quem sabe do mundo e de suas penas.

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 07 de novembro de 2004


26 de setembro de 2004

Ode a setembro


Em ambos os lados da entrada do Cemitério Geral, embora a certa distância, grupos de soldados armados vigiavam em carros blindados e em jipes.  Sergio Villegas em “Funeral vigiado”(Los rostros de Neruda, Santiago, Planeta, 1998)

Na antigüidade, a ode exaltou heróis e façanhas. Pablo Neruda dela faz a crônica da realidade que o rodeia onde os elementos mais comuns e prosaicos se apresentam numa visão lírica e universal, regida, sobretudo, pela clareza . Nuevas odas elementales foi publicado em  1956, dois anos depois de Odas elementales. Pablo Neruda tinha  cinqüenta e dois  anos e cantava a vida que percebia nos homens e nos seus sentimentos, no mundo feito de cores e sons e formas que encontrava no frêmito da natureza e na imobilidade dos seres inanimados. Entre as cinqüenta composições desse seu segundo livro de odes, estão aquelas dedicadas ao sol, às estrelas, à lua do mar, à cascata, à cordilheira andina, às flores da costa, à rosa. Também ao azeite, à batata, à tipografia, ao arame farpado, a um amor secreto, à solidariedade, e a setembro.

Se na “Oda al mes de agosto” (que pertence ao Tercer libro de las odas, 1957) o Poeta se detém no frio do inverno, no branco, no azul, na neve, numa única rosa, num espaço sem folhas / sem latidos, buscando a solidão absoluta (e ando / até mim, / por fim, na mais clara / claridade da terra), na “Oda a septiembre”, ele deseja oferecer um sentido à vida, um ensinamento. Setembro é o mês que ele diz ser das bandeiras, ser seco e ser molhado. Binômio que lhe dá motivo para um desabrochar de imagens em que se alternam o sol e a chuva: mil flechas de chuva, Lança de sol queimante. E, então, dá ao mês uma presença humana, agraciada com uma relva festiva para seus pés, com um  arco íris para sua cabeça. Presença que, não apenas    se desenha  mas é instada a dançar e a cantar. Cantar, porém, com a voz dos pobres;  dançar, porém, com os pés da pátria, nas ruas com o povo.  E o povo (que é o país e a primavera)  se faz dono  da terceira e última estrofe da ode e está presente nos cachos de uva, nos peixes fritos, no Chile dos vinhedos, do longo litoral marinho.  E o povo  está sob esses signos que logo a seguir se alinham quando o Poeta ordena ao mês de setembro coisas de mágica que assim se mostram a bandeira, a camisa, um par de rosas, uma canção florida, uma guitarra a emergirem do prosaísmo da arca, do subúrbio, da mina, do abandono, do peito para dizer de ideais e de lutas.  Como guia, um inatingível – o sol , / o céu puro da primavera - que a pátria faz vislumbrar de maneira bem real e cotidiana: algo de sonoro dentro de um bolso: a esperança. Nos versos estão as cores (o verde, o vermelho, o amarelo, o azul); estão os movimentos (a fumaça que sai do teto, o abrir das janelas); estão as formas (bandeiras desgrenhadas, mina enlutada, pequena corola temerária). E na metáfora, setembro é um vento, um rapto, / uma nave de vinho.
No mundo dos homens, porém, setembro  tem  mil caras e, entre elas, também a da morte que o marcará para sempre: dia 11, o bombardeio da Casa de la Moneda, instaurando o grande luto no Continente. Dia 23, consciente desse luto e de seu significado, a morte do Poeta.

Aqueles que acolheram o esquife de Pablo Neruda, quando de sua morte, no mausoléu da família, pressionados pelo regime pediram que dali os seus restos fossem retirados. Matilde e uns quantos amigos realizaram o translado. Neruda foi dormir num modesto nicho incrustado no muro dos mortos de setembro. Era o que lhe correspondia. Estava ali com seus companheiros de nomes conhecidos ou simplesmente anônimos. Mas todos tinham caído no mesmo mês e pela mesma causa. (Volodia Teitelboim. Neruda, Santiago. Sudamericana, 1996).

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 9 de setembro de 2004


19 de setembro de 2004

O poder das listas e das estrelas

O poder das listas e das estrelas.


            Em 1954, a Losada, de Buenos Aires, publica Las Uvas y el Viento, livro que reúne os poemas escritos ou reunidos entre 24 de fevereiro de 1949 e 12 de agosto de 1952, quando Pablo Neruda viaja pela Europa e pela Ásia. Mais do que a visão de um mundo que acredita renovado pelo socialismo é um livro que, nos seus vinte e um cantos, vai  desenhando, nas idas e vindas do Poeta, um mapa lírico no qual cabem as paisagens e os homens, a reafirmação de certezas e os momentos de emoção.
 “La flor de seda” é o título do décimo segundo canto e, como o  segundo,  dedicado à Ásia, nesses anos, agitada por mudanças que o Poeta desejou registrar. O primeiro poema desse canto,  “El lírio lejano” se inicia com a palavra Coréia. Um país  delineado num tempo de transformações, de novas flores, de paz que se eleva; de um traje recente, aquele usado nas fábricas, a substituir o de boneca ensanguentada e da vontade de modelar a própria estrela. No segundo poema, “Los invasores” a estrofe de um só  verso,  feito de uma única palavra, vinieron (vieram) dramaticamente, anuncia aqueles que chegaram: os  que arrasaram com a Nicarágua, os que roubaram o Texas, os que  humilharam Valparaíso, os que oprimiram Porto Rico. Cinco vezes o verbo vieram é usado, insistindo no que, ao longo da História, sempre se repetiu: o domínio de um povo sobre o outro. Reportando-se ao passado e à outras geografias, o poeta lembra os agressores que, agora, chegam, também à Coréia. Eles não são nomeados, mas se definem por seus atos: queimam vivos mãe e filho na aldeia, incendeiam a escola, procuram o último pastor nas montanhas,  matam o prisioneiro no seu leito, destroem vidas e a vida. E pelo caos  - fumaça, cinzas, sangue, morte - que então e somente com a sua presença passa a existir. São conhecidos pelo que possuem – o napalm, os dólares, os aviões assassinos, suas listas e suas estrelas (clara alusão à tão conhecida bandeira), o que não deixa dúvida sobre a identidade daqueles que realizam tais proezas. O terceiro poema, “Las esperanzas”, testemunha esse momento que parece ser de fracasso e ao qual se sucede uma forte razão – um homem, uma nação, uma bandeira – para que retorne a luz e a semente volte a ser semeada. O Poeta, outra vez, nomeia a Coréia, enaltecendo-a ao chamá-la de  mãe de nossa época e mencionado-lhe o sofrimento, advindo da morte de seus filhos e da destruição.O quarto poema, “Tu sangre”, vai  reafirmar as perdas – filhos mortos, filhas mortas – e o sofrimento: Não há número nem há nome / para tantas dores. E exaltar, então, o tesouro que a Coréia deu ao mundo: não apenas a própria liberdade, mas a liberdade inteira, / a de todos, a liberdade do homem. O que, no último poema, “La paz que te debemos” será, outra vez, reafirmado e, outra vez, enaltecido, como  a convicção, tão própria do Poeta, de que As lâmpadas / continuarão acesas / e as sementes buscarão a terra.
            Lírico, seus versos remetem às cores e às flores, ao sacrifício dos heróis. Militante ao sangue vertido e ao valor inigualável da conquista. Porque assim como acredita que o vento irá conduzir as palavras do novo ideal, que é possível elevar a nova estrela ao firmamento, o Poeta conserva a certeza de um florescer das verdades que ele  sempre distinguiu e exaltou.
            Neste canto “La flor de seda”, menciona a sua época, estes anos duros e diz que  a liberdade pode dizer seu nome / e continuar a sua herança. Meio século já se passou e hoje a dicotomia – mudados os nomes das vítimas, conservado o nome do agressor –  continua a vigir e tão pujante  quanto nesses idos de  1950.

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba,  19 de setembro de 2004


12 de setembro de 2004

A brasileira


            Em junho de 1927, para assumir suas funções de Cônsul do Chile, em Rangum, capital da Birmânia, Pablo Neruda parte de Buenos Aires para a Europa a bordo de um barco alemão, o “Baden”. No seu livro de memórias, Confieso que he vivido (Barcelona, Seix Barral, 1974), lembra essa viagem:  como, de repente,  ele se transformou, deixando  de se interessar pelos outros  passageiros  e pelo oceano Atlântico, que, então, se lhe tornou  monótono para somente contemplar os olhos escuros e largos de uma jovem brasileira, infinitamente brasileira que subiu ao barco no Rio de Janeiro com seus pais e dois irmãos. Além de se referir ao companheiro de viagem, Álvaro Hinojosa ( para viajarem juntos, trocara a passagem de primeira classe por duas de terceira), de suas fórmulas de conquista amorosa  (era um ativo tenório) e de mencionar, rapidamente, os demais passageiros ( imigrantes portugueses e galegos e os outros, sobretudo alemães que voltavam das minas ou das fábricas da América
Latina)  nada mais diz dessa viagem que terminou em Lisboa . Na crônica, “Imagen viajera” – a primeira de uma série sobre a viagem , enviada para o jornal  La Nación, conforme mencionam Aída Figueiroa de Insunsa e Edmondo Olivares Briones  no livro Mi amigo Pablo  e que faz parte de Para nacer he nacido (Barcelona, Seix Barral, 1977) -  a jovem brasileira tem uma presença maior. O texto se inicia com uma notação de tempo: é um passado bem recente, de apenas alguns dias para, então,  descrever a baía de Santos, exuberante na sua natureza tropical e em duas breves frases, relatar que ali embarcou uma família brasileira composta do pai, da mãe e de uma jovem muito bela. Logo, lhe fará um cuidadoso retrato:  Boa parte de seu rosto o ocupam os olhos, absortos, negruscos, dirigidos sem pressa, com abundância profunda de fulgor. Sob a testa pálida, fazem notar sua presença num adejo constante. Sua boca é grande, porque seus dentes querem brilhar na luz do mar do alto de seu  riso. Linda morena, compadre. Seu ser começa em dois pés diminutos e sobe pelas pernas de forma sensual, cuja madurez  o olhar quisera morder.  Volta a falar da viagem, da atmosfera tropical que invade o barco. E da bela jovem: Marinech, a brasileira, ocupa todas as tardes a sua cadeira de convés, diante do crepúsculo. Seu rosto levemente se tinge com as tintas do firmamento, as vezes sorri.  No parágrafo seguinte, completa a descrição: Marinech é  minha amiga. Conversa na melosa língua portuguesa e lhe dá  encanto seu idioma de brinquedo. Ela é altiva e pálida, não mostra preferência por  ninguém. Seu olhar, carregado de matéria sombria, está fugindo.  Outra vez, Pablo Neruda torna à natureza nessa hora do crepúsculo em que a invadem as sombras da noite. Sobre a brasileira nada mais é dito.

            Para nacer he nacido é um livro feito de textos de Pablo Neruda reunidos por Matilde Urrutia e Miguel Otero Silva, em 1977, três anos depois de terem sido publicadas as suas memórias e que lhe são, muitas vezes, um complemento. Num  livro e noutro, dois dados sobre  a brasileira não coincidem: o porto de embarque e a composição de sua  família. Em Confieso que he vivido, Pablo Neruda diz que a jovem embarcou no Rio de Janeiro com seus pais e dois irmãos; em Para nacer he nacido que o embarque foi em Santos  e apenas ela com seus pais.

            Instigante, no entanto, é o texto que publicou em 16 de fevereiro de 1962 em O CRUZEIRO Internacional e que faz parte da série “Las vidas del poeta. Memorias y recuerdos de Pablo Neruda”. Lembrando a sua viagem no “Baden”, ele conta:De minha parte, a viagem de repente se transformou e deixei de ver os passageiros que protestavam ruidosamente pelo eterno menu de “Kartoffee”(sic), deixei de ver o mundo e o monótono Atlântico para somente contemplar os olhos escuros e largos de uma jovem brasileira, infinitamente engraçada, que subiu ao barco no Rio de Janeiro com seus pais e seus dois irmãos,  Trata-se, quase do mesmo texto que fará parte de Confieso que he vivido. Dele se diferencia, somente,  pela mudança de uma palavra: no texto de 1962, atribui à brasileira ser infinitamente engraçada;  no texto desse livro, o adjetivo engraçada é substituído pelo adjetivo brasileña o que irá ocasionar um pleonasmo sem dúvida curioso:  uma jovem brasileira, infinitamente brasileira pois, se na primeira vez o sentido  de nacionalidade é inequívoco, na segunda,  talvez,   elogioso,  não está evidente o significado que desejou  lhe dar.
            Porém, o mais intrigante é a presença de uma  breve seqüência que encerra o texto de 1962.  Não faz parte daquele de 1927, quando de sua viagem e, tampouco das memórias, escritas anos mais tarde que resultaram em Confieso que he vivido. A razão de não ter mencionado essa troca de olhares em 1927 e a razão de ter eliminado a referência que faz a essa troca de olhares no texto que reaproveitou anos depois, parecem fadadas a permanecerem desconhecidas.  Um breve e encantador mistério que só a efêmera emoção alimenta: Aqueles olhos escuros que só ao passar se enredaram com os meus, duraram muito tempo nas minhas lembranças.

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 12 de setembro de 2004


4 de setembro de 2004

A 65 años del acontecimiento: Recuerdan arribo del “Winnipeg” a Chile

El 3 de septiembre de 1939, dos mil quinientos refugiados desembarcaron en el puerto luego de una larga travesía.

GONZALO CRUZAT
Decenas de personas
 esperaban la llegada
el carguero francés

VALPARAISO - Con una emotiva ceremonia realizada en el Muelle Prat se conmemoraron ayer los 65 años de la llegada a este puerto del carguero "Winnipeg", con 2.500 refugiados españoles que huyeron de la guerra civil o fueron rescatados de campos de concentración.

Por Neruda

Se trató de una actividad artística-cultural que contó con la concurrencia de cerca de un centenar de los aproximadamente 400 hombres y mujeres que aún viven, y que llegaron el 3 de septiembre de 1939 a nuestro país.

En el encuentro conmemorativo se recordó parte de lo que fue el viaje desde Francia y de la llegada a Valparaíso.

Todo ello en el marco del centenario del natalicio de Pablo Neruda, quien (por encargo del Presidente Pedro Aguirre Cerda) hizo los preparativos para el traslado de los refugiados a Chile.

El largo viaje

La conmemoración del hecho estuvo a cargo del intendente, Luis Guastavino; del ministro de Cultura, José Weinstein, y del pintor José Balmes, Premio Nacional de Arte y miembro del Consejo Nacional de la Cultura, organizadores de este evento.

Además de Balmes, algunos de los asistentes recordaron, con emoción, lo que fue el viaje.

José Balmes: "Era de noche en Valparaíso cuando llegamos. Toda la bahía estaba iluminada, casi nadie se movió de cubierta hasta el amanecer. Había sol de primavera ese día. En tierra, rostros y manos nos decían su amistad, su bienvenida. Después de mucho tiempo sabíamos nuevamente el significado de un abrazo. El tren nos llevó pronto a Santiago, y al paso lento por las estaciones gentes que no conocíamos nos entregaban rosas y claveles. Al amanecer, miles de hombres y mujeres nos esperaban en la estación Mapocho en medio de una multitud de cantos y banderas. Era el comienzo de un exilio distinto".

Balmes y Román Pascual García rememoran con nitidez lo que fue el embarque en el puerto francés de Trompeloup-Pauillac en los primeros día de agosto de 1939 y la travesía del Atlántico.

Resaltan el arduo trabajo del poeta Pablo Neruda para lograr el embarque de los refugiados y cómo éstos llegaban desde distintos puntos de Francia con la esperanza de la libertad reflejada en sus rostros, sobre todo ante la amenaza latente de la Segunda Guerra Mundial, que se desató a su llegada a nuestro país.

Balmes recuerda -pese a sus entonces 12 años- cómo Pablo Neruda y Delia del Carrial, vestidos de blanco y con sombrero, en ese verano de 1939, recibían la avalancha de hombres, mujeres y niños. Dice que allí, junto al "Winnipeg", que estaba pegado al malecón, se les otorgaron, en nombre de Chile, papeles con timbres y fotos que los convertían nuevamente en ciudadanos. Añade que el viaje fue casi interminable, porque se trataba de un barco que había sido carguero de pescado. Sus camarotes eran literas de seis camas de madera. Pero la esperanza de seguir con vida y gozar de la libertad mitigaba la dureza del viaje, que tuvo recaladas en dos islas francesas.

El mayor alivio
EMOCIÓN - El pintor José Balmes, uno de los organizadores
del encuentro, estuvo entre los emocionados relatores del
azaroso viaje que debieron hacer quienes escaparon de la
guerra civil española o de campos de concentración.

El paso del Canal de Panamá fue el mayor alivio, recuerda García, que tenía 21 años y que había combatido en la guerra durante 3 años, y se había fugado de un campo de concentración.

Rememora que la travesía del océano Atlántico se hizo en medio del temor de que el barco fuera hundido por los submarinos alemanes. Y cuenta que podían ver incluso los periscopios de estos submarinos, dado que la Segunda Guerra Mundial se aproximaba y que se declaró cuando llegaron a Chile.

A bordo se les hacía clases a los niños, y había un pequeño hospital y comedor para los enfermos. Incluso en el viaje murió una persona, pero nació una niña, que fue bautizada con el nombre de América Winnipeg.


Refugiados notables

Entre los refugiados españoles que llegaron en el "Winnipeg" hay destacadas figuras del quehacer nacional, en el desarrollo de actividades productivas, comerciales, de la medicina, y, especialmente, de las artístico-culturales e intelectuales.

Entre muchas de ellas están el pintor José Balmes, el ya desaparecido historiador Leopoldo Castedo; la pintora Roser Bru; el historiador, escritor y hombre de teatro José Ricardo Morales; el profesor y diseñador gráfico Mauricio Amster; el periodista deportivo Isidro Corbinos, y los tres hermanos Pey: Víctor, Raúl (ingenieros) y Diana (música).


Arquivo Adriana, El Mercurio, Santiago, 4 de Septiembre de 2004

15 de agosto de 2004

O livro das respostas

            Na capa, os Andes e o Morro do Careca – fotomontagem de Marcelo Mariz – numa proximidade surpreendente. Diluindo as fronteiras, entre as montanhas nevadas e o morro tropical, o título do livro e seu sub-título: O livro das respostas (em face do Libro de las preguntas de Pablo Neruda). Respostas estas de Diógenes da Cunha Lima que, deixando-se impregnar, diz Edon Nery da Fonseca, no prefácio do livro, pela atmosfera de sonho e magia que transmite Pablo Neruda no seu Libro de las preguntas, se mostram verdadeiras pequenas maravilhas.


            Diógenes da Cunha Lima, o poeta de Lua 4 vezes Sol, Instrumento Dúctil, Corpo breve, Natal, Poemas e Canções, Poemas versus prelúdios, Pássaros da memória, neste Livro das respostas , partindo do verso de Pablo Neruda e nele se entrelaçando, deixa constância de poemas  tão fascinantes como aqueles que o desencadeiam. Porque, se nos versos de Pablo Neruda se percebem caminhos já trilhados – a natureza, as preocupações políticas, algo de troça e o grande amor à vida – nessa longa e intensa vida que foi a sua,  não surpreendem as reiteradas menções ao outono. Sim, o não serem marcadas pela melancolia de quem já muito viveu mas pela alegria e pelo fantasioso matizados de exuberantes amarelos. E, assim, resultam as respostas – cada poema antecedido de um travessão – que lhes dá Diógenes da Cunha Lima: submissas à alegria, ao lirismo, à sabedoria e ao sorriso compartido.
Pergunta Pablo Neruda:  Te hás dado cuenta que el otoño / es como una vaca amarilla? E  o poeta brasileiro responde sem peias: - Percebi. Pelo leite derramado. Quando o poema se enriquece com as palavras pájaro amarillo, limones, nido (Cuál es el pájaro amarillo / que llena el nido de limones?) a resposta se aprofunda no lirismo:  -O pássaro infiel. Por vezes, as respostas precisam das perguntas. Em -Estão em potes dourados / de melaço nos engenhos, os versos feitos de esplêndida combinação de palavras necessitam da pergunta: Donde están los nombres aquellos /Dulce como torta de antaño? Outras vezes, cobram vida, independentes das perguntas que a originaram. Em Si se termina el amarillo / con que vamos a hacer el pan?, Pablo Neruda relaciona cor e alimento, constituindo-se a ausência de lógica a substância poética. Na reposta de Diógenes da Cunha Silva, - Faremos o pão da terra. Um dia vamos ser seu pão, a relação encontra respaldo lógico na tradição (a terra dá frutos, o trigo é fruto da terra) como, igualmente, o encontra nesse voltar à terra (e se tornar seu alimento), quando  o poético emerge, então, num significado maior e mais profundo. Há o caso em que a pergunta parece não ter resposta (Se alejarán em el otoño / las golondrinas de la luna?), mas o poeta brasileiro a encontra e convicto, informa: - No outono as andorinhas / farão ninhos inaugurais /  no outro lado da lua. Também o caso em que, conservando as três palavras chaves da pergunta, lhes muda a função sintática, originando uma situação diferente,  ainda  que, sem se  afastar da idéia presente na pergunta de Pablo Neruda: (Los peluqueros del otoño / despeinaron los crisântemos?: - De repente, em multidão / os crisântemos / despentearam o outono). Sem mencionar o outono mas, ainda assim, a lembrá-lo na referência à folha amarela, (Por qué no dar uma medalla / a la primera hoja de oro?), Pablo Neruda lhe confere o valor definitivo do metal precioso que a torna, primícia que é,  merecedora do prêmio.  Diógenes da Cunha Lima, ao responder, combina três palavras da mesma rede de significados-  desdouro, dourado, ouro – que nos seus versos se opõem (- Para não haver desdouro: o dourado despreza o ouro) e lhe confere uma razão que o sentido lúdico do poema de Pablo Neruda não fazia prever. E, ricamente expressiva, a pergunta  Por qué se suicidan  las hojas  amarillas?, na melancólica relação entre o declínio da vida e um eventual desejo de auto aniquilamento. Dá origem a não menos rica e expressiva resposta de Diógenes da Cunha Lima: -Com saudades de Van Gogh em que junto à palavra saudade, tida por intraduzível, se alinham as reminiscências dos tons de amarelo presentes nos quadros de Van Gogh, e a sua auto-mutilação e posterior suicídio.
            Num país de imensas dimensões e em que as elites (ou os que assim se consideram) voltam as costas para os países limítrofes, ignorando–lhes a expressão, surge como algo de  especial significado esta relação, feita de palavras, que um poeta do nordeste brasileiro instaura com um poeta do extremo sul do Continente. Precioso diálogo que prescinde de cenário e da presença e ignora o tempo e faz desabrochar inesperadas leituras num itinerário que os poemas de Diógenes da Cunha Lima fazem plenos de encantamento.

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 15 de agosto de 2004


8 de agosto de 2004

O Poeta perguntador: Crepusculario

            Pablo Neruda tinha dezenove anos quando publicou seu primeiro livro, Crepusculário. Da emoção de ver seus versos impressos, ele irá contar no capítulo segundo de “Las vidas del Poeta. Recuerdos y memórias”que escreveu para a revista O CRUZEIRO Internacional, em 1962. Livro “ingênuo e sem valor literário”, diria, anos depois a Alfredo Cardona Peña que registrou esse testemunho na revista Cuadernos americanos (dezembro de 1950).  No entanto, essa edição, vendida por quinhentos pesos o que, na época, equivalia a menos de cinco dólares e ilustrada por Juan Gandolfo, foi recebida com aplausos pela crítica. Prudente, Pablo Neruda reconhecia, no primeiro poema do livro que a sua voz se erguia “em rosas trêmulas”, nem “pomposas”, nem “fragrantes”. As primeiras de seu “desconsolado jardim adolescente”.  Modéstia em que se entrelaçam a idéia das primícias e o reconhecer-se jovem e triste, revelando como que um pedido de compreensão, dirigido a um “irmão caminhante”. Interlocutor que o Poeta imagina seu semelhante nessa busca que empreende. Como a ele, também à mulher (“carne e sonho”, a menina, a camponesa), à irmã, ao pai, ao irmão de alma, ao amigo, aos amigos, a alguém indeterminado, ao amor,  a ele mesmo, ao velho cego, às pontes, ao ferro, ao vento do mar, à infelicidade, a Deus  dirá  de suas inquietações  e perplexidades diante da vida; de sua melancolia frente ao passar do tempo; de suas ânsias e devaneios amorosos; de sua visão de mundo e preocupação com os seres inanimados; de  seus laços afetivos com o pai e com a irmã, de sua ligação solidária com os assim denominados amigos; de sua admiração pelo que Deus criou. E, muitas vezes, os interpela. Um recurso - fazer perguntas, dirigir-se a alguém - que irá conservar ao longo dos anos, expressão de seu desejo de compartilhar  com os demais o que lhe vai na alma. Incertezas e melancolias próprias dos primeiros anos às quais se acrescem aquelas da criança privada de sua mãe e que se sente, irremediavelmente, abandonado, pontilham os poemas de Crepusculario. O Poeta as enuncia a si mesmo (“Para que dizer a canção/de um coração que é tão pequeno?”, “Que eu com os olhos quebrados sigo um caminho sem fim/ Por que dos pensamentos, por que da vida em vão?”, “Vai-se a poesia das coisas/ ou não a pode condensar a vida?”); ou, se projetando no outro (“[...]cego, que espera da dor?”, “[...] que podes esperar ?”, “cego, sempre será teu ontem amanhã?”, “Aonde vais agora?”.Ou, ainda, dividindo a desesperança ( “Homens de coração ingênuo/O que mais podemos esperar?”). Antropomorfizando as pontes, lastima-lhes o destino de permanecer imóveis quando “as paisagens, a vida, o sol, a terra”, seguem a viagem sem fim. E as perguntas a elas dirigidas, que o termo maldição introduz, são, na verdade, aquelas que o espanto de viver – e ter consciência de que tudo é transitório  - origina. Alguma vez procura respostas, como no poema “Saudade”, em que busca o significado da palavra, estranha ao espanhol, em “dicionários empoeirados e antigos/ e em outros livros”,  em que pergunta a alguém que, também, a ignora.
E, se entre as perguntas, existe aquela que jamais será respondida ( “Deus – de onde tiraste para acender o céu/ este maravilhoso crepúsculo  de cobre?”), outras há, enigmáticas, recônditas, fascinantes  que somente o engenho e arte de um outro poeta poderá responder.


Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 8 de agosto de 2004

18 de julho de 2004

Nerudianas: “Ode ao beija-flor”


            No dia 5 de fevereiro de 1948, o Tribunal de Justiça do Chile emitiu uma ordem de prisão contra Pablo Neruda que, passa, ajudado por amigos e durante meses, a viver escondido no seu país. O relato sobre esse período em que viveu de casa em casa, ludibriando a polícia, até atravessar os Andes a cavalo e chegar a San Martin de los Andes, na Argentina, foi feito por seu amigo José Miguel Varas no livro Neruda clandestino (Santiago, Alfaguara, 2003). Baseando-se, principalmente em três textos – o de Jorge Bellet, publicado na revista Araucária, o de Victor Bianchi, “Misión al lago Maihue” e o discurso de Pablo Neruda quando da entrega do Prêmio Nobel – além de outros, consultou, também, a imprensa da época e ouviu o testemunho de pessoas que, nesse período de clandestinidade da vida do Poeta, com ele conviveram. Entre eles o de Jaime Perelman que na época tinha doze anos e que cedeu o seu quarto e sua cama, para que os pais pudessem abrigar o Poeta e Delia Del Carril. Lembra-se que, fechados em casa, Pablo Neruda escrevia o Canto General e sua mulher passava o dia desenhando mãos e cavalos em grandes folhas de papel. À tarde, ao chegar das aulas ele e o irmão conversavam com o Poeta que lhes contava histórias de elefantes, de aves, de macacos ou improvisava cenas teatrais em que eram os donos dos textos e das atuações. Porém, desse convívio, o que mais o impressionou foi a “Operação beija-flores”. Pablo Neruda havia observado que nas trepadeiras floridas da casa vizinha apareciam muitos beija-flores para se alimentar. Pensou em atrai-los para os galhos secos do arbusto que estava perto de uma janela da casa onde se hospedava, explicando o seu plano para os meninos: primeiro fazer flores de papel colorido e, então, colocar sob elas, presas com arame, ampolas de injeção cheias de mel diluído na água. Ainda que toscas e de tamanhos diferentes, os beija-flores se deixaram enganar e iam diariamente sorver o mel das estranhas flores para alegria dos meninos e do Poeta.
            Anos depois, em 1955, Pablo Neruda compõe as odes que publica sob o título Nuevas Odas elementales (Buenos Aires, Losada, 1956). Entre as cinqüenta que dele fazem parte, a “Oda al pica-flor”. À semelhança de outros que fazem parte do livro, é um longo poema. Muito breves como a acompanharem o vôo relâmpago do pequeno pássaro, os versos o definem, aproximando-os da água, do fogo, do arco-íris. Dizem de seus movimentos (minúscula bandeira voadora, vibração do mel / raio de pólen) e metaforicamente, o descrevem numa sucessão de imagens (semente do sol, fogo emplumado, fio de ouro, fogueira verde). Entre elas, o Poeta o interpela (o que es, / de onde te originas?), numa pergunta cuja resposta ele próprio encontra. E perguntas e respostas expressam essa inclinação que possui o Poeta de se maravilhar diante das coisas e dos seres. Imagina-o nas antigas eras (na idade cega do dilúvio), no percurso mágico das transformações (a rosa congelada em antracita; o fragmento desprendido do réptil: última / escama cósmica, uma / gota / do incêndio terrestre para ser, agora, feito de beleza. Resposta a qual se encadeiam os dizeres sobre sua vida (dormes numa noz, giras / como luz na luz / ar no ar), sobre sua valentia (o falcão / com sua negra plumagem / não te amedronta), sobre as suas cambiantes cores (escarlate, amarelo, verde, laranja, negro).
            Na inigualável invenção com que se serve das palavras, o Poeta faz nessa ode explodirem nuanças de cor e danças do vôo, recriando o encanto sempre tão efêmero que é a presença de um beija-flor. Pequeno ser supremo, milagre que arde desde a Califórnia até a Patagônia, ele diz e ao esboçar a geografia americana, não lhe nega esse destino de Continente massacrado que os últimos versos do poema não deixam esquecer quando à luminosa figura do beija-flor, Pablo Neruda contrapõe a sombra ao definir o beija-flor também como pétala dos povos que calaram, / sílaba do sangue enterrado, / penacho / do antigo / coração/submerso.

Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 18 de julho de 2004


11 de julho de 2004

El infructuoso clamor de Neruda

FRAGMENTO ESCOGIDO DE REVISTA CEP.
A propósito de "Geografía infructuosa"
Oscar Hahn
Poeta y ensayista. Profesor de Literatura de la Universidad de Iowa.

Textos manuscritos
y con dibujos del
poeta Pablo Neruda.
Curiosamente, y por el solo efecto de la oportunidad, uno de los libros más esperados de Pablo Neruda fue Geografía Infructuosa. En octubre de 1971 el poeta chileno había obtenido el Premio Nobel de Literatura y ésa fue su primera publicación posterior al premio. Era natural que se creara una cierta expectación por saber qué contenía el nuevo poemario. No obstante, el impacto del Nobel no pudo hacerse sentir en esos textos, por el simple hecho de que casi todos estaban terminados cuando a Neruda se le concedió el galardón.

La escritura de Geografía Infructuosa se inició en 1971, durante sus viajes en automóvil por Chile, y se completó ese mismo año, mientras se desempeñaba como embajador de su país en Francia.

Fue publicado por la editorial Losada de Buenos Aires en mayo de 1972.

Yo objeto

Dos aspectos omnipresentes en su obra recurren en este libro: la autorreferencia y el mesianismo. A diferencia de otros poetas, que hablan desde el yo, pero cuyo tema no es su propio yo, aquí el objeto de los poemas es el mismo Neruda. El segundo aspecto es el carácter mesiánico, que no lo abandona ni siquiera en los momentos de tribulación. El poeta declara que tiene una misión que cumplir y se considera un elegido. Pero su misión no es religiosa, sino política y social: "Mis deberes son duramente diurnos: / debo entregar y abrir nuevas ventanas / establecer la claridad invicta / y aunque no me comprendan, / continuar / mi propaganda de cristalería", dice en el poema "El Sol". Esta composición es prácticamente una reescritura de la "Oda a la Claridad", incluida en Odas Elementales (1954). El programa es el mismo: "Debo / cumplir mi obligación / de luz (...) Yo debo repartirme / hasta que todo sea día, / hasta que todo sea claridad / y alegría en la tierra". Algo muy evidente, sin embargo, es la tensión que existe entre la voluntad de Neruda de realizar una poesía de la luz, la alegría y la esperanza, y sus demonios interiores que tiran hacia el lado de la oscuridad, la tristeza y la desesperanza.
Y Pablo Neruda lo reconoce cuando dice no entender por qué a "un enlutado de origen" le ha tocado cumplir esa misión. En este orden de cosas, es bastante irónico que uno de los poemas más tristes de Geografía Infructuosa lleve el título de "Felicidad".
También se reitera aquí esa peculiar forma de panteísmo tan nerudiana, que podríamos llamar "ego-panteísmo". Ya no es Dios el que está presente en la naturaleza, sino el poeta mismo: "Me repartí en fragmentos / que entraban y salían de otras vidas, / formé parte del pan y la madera, del agua subterránea, del fuego mineral". Abrumado por su condición telúrica, teme que no lo acepten como prójimo del hombre común y corriente.
También se reitera aquí
esa peculiar forma de
panteísmo tan nerudiana,
que podríamos llamar
"ego-panteísmo".
Ya no es Dios el que
 está presente en
la naturaleza, sino el poeta.

Foto:Fundación Neruda
Un tema que Neruda había desarrollado en el poema "Unidad", de Residencia en la Tierra, reaparece ahora vinculado a la conciencia de la muerte. Es el problema de la identidad del ser dentro de la sucesión temporal, y el asombro de que los individuos conserven su unidad, a pesar de la fragmentación que les provoca la intermitencia de los días. Esto se observa, por ejemplo, en el poema que precisamente se llama "Sucesión": "Muerte a la identidad, dice la vida: / cada uno es el otro, y despedimos / un cuerpo para entrar en otro cuerpo". Un tema similar aparece en los poemas de Francisco de Quevedo que Neruda había presentado en 1935 con el nombre de Sonetos de la Muerte...
Como hemos dicho, Geografía Infructuosa fue iniciado en 1971, meses después del triunfo del socialista Salvador Allende. Neruda había participado activamente, primero en la campaña electoral y después en las concentraciones populares que celebraban al nuevo gobierno, y vio desde muy cerca esos "miles de ojos" a los que hace referencia. Uno habría esperado entonces que un libro suyo tan cercano a esas fechas se inclinara hacia la poesía de la multitud.
Pero el poeta propone y la vida dispone, porque Geografía Infructuosa conjuga de una manera imprevisible los dos aspectos que Neruda subrayaba a propósito de Residencia en la Tierra: "la soledad de un forastero" y "un mundo violento y extraño". Sólo que ahora el forastero es el "exiliado" en Francia, y lo violento y extraño no es el mundo que lo circunda, sino la enfermedad que ha invadido su cuerpo. Por eso, contradiciendo los planes de Neruda, el libro acaba siendo un diario de vida interior -sin multitud, sin luz, sin alegría-, cuyas páginas registran el infructuoso clamor de un solitario a quien la muerte acecha.

Arquivo Adriana, El Mercurio, Artes y Letras. Domingo 11 de julio de 2004


Nerudianas: Ode à colher

            Em 1954, Pablo Neruda publica Odas elementales, resultado de seu desejo, assim o explica em Confieso que he vivido, de reescrever muitas coisas já contadas, ditas e reditas. Foi um livro muito bem recebido pela crítica, mesmo daquela que, até então, lhe havia sido adversa. Nele revelou, como nos que se lhes seguiram, Nuevas odas elemementales (1956) e Tercer libro de las odas (1957), um novo rumo na sua poesia, um dos seus mais ricos ciclos poéticos. Com admirável claridade e alegria, busca mostrar a beleza das coisas simples, aceitando o dever que acredita ser o do poeta: cantar para todos e, com o seu canto, dar um sentido à vida.
            “Oda a la cuchara” (Ode à colher) pertence ao Tercer libro de las odas, cujo primeiro poema, “Odas de todo el mundo”, como a “Ode à crítica I” e “Ode à crítica II” (respetivamente de Odas elementales e de Nuevas odas elementales), é um dos manifestos desse lirismo que pretende doutrinar, com versos: o que é belo também é um ensinamento para os homens. Como o pregão de um mascate – Eu vendo odes, “De tudo / um pouco / tenho / para todos – Pablo Neruda as oferece: elas são de todas as cores e tamanhos, seráficas, selvagens, finas / enroladas / como arame ou de inclinação dolorida / cobertas / pelo / aroma / enterrado / dos lilás. Um universo em que se misturam as escuras alegrias infundadas, as coisas do coração partido, com a simplicidade do cotidiano, presente no tomate, no cimento, nos trens, na colher.
            A estrofe inicial da “Ode a la cuchara” remete a esse querer do Poeta em transmitir ensinamentos. Nos primeiros versos, define a colher como a concha, a mais antiga mão do homem, cuja forma, na madeira ou no metal de que é feita, deixa perceber, ainda, o molde / da palma / primitiva [...], oco nascido da palma de sua mão, ao qual o homem acrescenta um braço de madeira. Assim, espalhou-se por itinerários feitos de montanhas, rios, barcos e cidades, castelos e cozinhas onde o difícil – algo na aparência tão óbvio, mas que o Poeta não deixa por dizer – foi ela juntar-se com o prato do pobre e com sua boca.
A quinta estrofe é feita da voz do Poeta , não mais a defini-la, cada / vez / mais / perfeita, a lembrar que, pequenina, na mão da criança, lhe oferece o mais antigo / beijo da terra /[...], porém a assumir um coletivo indicado pelo verbo, na primeira pessoa do plural, que propõe o tempo de uma nova vida. Os verbos lutar e cantar, indicando as ações necessárias, num gerúndio a expressar continuidade, e o verbo será a expressar a certeza desse mundo sem fome que o Poeta vislumbra. E que imagina imenso com todos os pratos na mesa, um vapor oceânico de sopa e um total movimento de colheres. O alimento, um direito de todos os homens como a beleza e a alegria, representada pelas flores, acrescidas a essa mesa posta e farta. Flores humanizadas pelo adjetivo felizes que envolve também o alimento (a sopa fumegando) e aos que dele usufruem (compreendidos no total movimento de colheres). Significado luminoso e em acorde com o pensamento do Poeta ao almejar uma sociedade sem castas. E, em acorde com os primeiros percursos da colher ao abrigar a água e o sangue / selvagem / palpitação / de fogo e caçada e a herança silenciosa, / das primeiras águas que cantaram. Na sua voz, que deseja ensinar, se mistura a que procura o interlocutor (Sim, colher, diz um de seus versos) e a que exprime a sua esperança e a de outros na utopia de entrever o mundo sem fome. E iluminado pela beleza das flores felizes.

Cecilia Zokner in Literatura do Continente, O Estado do Paraná, Curitiba,  11 de julho de 2004


6 de junho de 2004

A emoção da manhã

Navegaciones y regresos foi publicado pela editora Losada de Buenos Aires em 1959. Na verdade, é o quarto livro das odes que Pablo Neruda começara a escrever em 1952 e que marcam o novo rumo de sua poesia: cantar as coisas simples para homens simples. Uma poesia didática, diz Emir Rodríguez Monegal (El viajero inmóvil, Buenos Aires, Losada, 1966), cujo fim é ensinar, mostrar, descrever. Nelas, Pablo Neruda canta o mundo que o rodeia e que, de alguma forma, o impressiona seja o ar, o fogo, o mar, o amor, a alegria, a claridade, os animais, as plantas, as coisas.
        “Oda a una mañana del Brasil”está entre aquelas que resultaram de uma vivência. Fruto das emoções de que foi impregnado diante de uma exuberante natureza tropical que, no poema de seis estrofes, se mostra nas cores e no movimento dos seres que a habitam. Nada mais prosaico do que o primeiro verso: Esta é uma manhã do Brasil. Na sua claridade, o Poeta se insere – Vivo dentro de um violento diamante, / toda a transparência / da terra / se materializou / sobre / minha testa  – como um ser especial com a marca na testa que o privilegia e num mundo mágico que é cercado pela floresta e iluminado. Mundo que mal esboça, nele inscrevendo, porém, a vida que emerge no crescimento das árvores, dos insetos, dos dias para se ampliar no universo imenso em que todas as cigarras que existem desde que existe o mundo, se unem para cantar. Apenas nas borboletas, se fixam os versos da terceira estrofe. Elas se movem no ar, nas flores, no nada: baile feito de cores que o Poeta, ingenuamente, enumera. Retorna ao ciclo da vida, na quarta estrofe, outra vez ao verde, a lembrar a mata e na referência a um amplo rio / que se despenca / em plena solidão. Novamente, o movimento dos répteis, dos mil seres que trocam de planta, de água, de pântano, de toca, das aves atravessando o ar aos quais se acrescentam, na quinta estrofe, os sons que são um grito, um canto, / um vôo, uma cascata.
            O meio-dia chega, a luz se espalha e tudo / fica imóvel. Já não é mais, somente, o Poeta a se saber dentro de um violento diamante, impressão que sente diante dessa vibrante e imensa luz, mas, no tempo que se detém e em que tudo, a terra, o céu, a água entra na sua caixa de diamante. Como um círculo no qual se encerra um universo, contido nos pequenos seres e nas suas vozes, na correnteza do rio, na luz.
            E a metáfora (cristal verde do mundo para significar floresta; voz de mel, de sal, de serraria, de violino delirante para o canto das cigarras). E as comparações (se estende / a luz como se tivesse /nascido em novo rio / que corresse e cantasse enchendo o universo, ampla é a claridade como uma nave / do céu, vitoriosa). São recursos que, assim como esse uso do adjetivo em combinações inusuais – violino delirante, meio-dia sossegado, aves abrasadoras, violento diamante – ou o seu acúmulo diante de um substantivo (voadoras, sucessivas e remotas para borboletas) se alternam com a simplicidade inscrita em outros versos, para transmitir a emoção da beleza. Para o Poeta ela é essencial e ao afirmá-la e ao descrevê-la a deseja para todos.
            Ao partir sempre de uma experiência concreta que deseja compartilhar, o ciclo das odes, com versos que expressam a crença na vida e a confiança no futuro, é um dos mais ricos e mais pessoais do Poeta. Pablo Neruda, para quem as formas e as cores e os perfumes e os sons que procura apreender são sempre plenos de significados, nessa “Oda a una mañana del Brasil”, se deixa, apenas, maravilhar.


Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 6 de junho de 2004