Divisão dos Arquivos

O Blog Pablo Neruda Brasil está apresentado em quatro seções obedecendo à data de publicação da matéria:

Arquivo Cecilia Zokner

Os breves textos sobre a poesia de Pablo Neruda foram publicados sob a rubrica Literatura do Continente no jornal O Estado do Paraná, Curitiba e fazem parte, juntamente com outros textos versando sobre Literatura Latino-americana, do Blog http:\\www.literaturadocontinente.blogspot.com.br. Os demais, em outras publicações.

Arquivo Adriana

Chilena de Concepción, amiga desde 1964, quando convivemos em Bordeaux, ao longo dos anos me enviou livros e recortes de jornal sobre Pablo Neruda. Talvez tais recortes sejam hoje, apenas curiosos. Talvez esclareçam algo sobre o Poeta ou abram caminhos para estudos sobre a sua obra o que poderá, eventualmente, se constituir uma razão para divulgá-los.

Arquivo Delson Biondo

Doutor em Literatura na Universidade Federal do Paraná. No ano do centenário de nascimento de Pablo Neruda, convidei Delson Biondo, meu ex-aluno do curso de Letras para trabalharmos sobre “Las vidas del Poeta, as memórias de Pablo Neruda”, constituídas de dez capítulos, publicados, em espanhol, na revista O Cruzeiro Internacional, no ano de 1962. Iniciamos o nosso trabalho com a sua tradução, visando divulgar, no Brasil, esse texto do Poeta que somente anos mais tarde iria fazer parte de seu livro de memórias Confieso que he vivido. Todavia, várias razões impediram que a tradução fosse publicada no Brasil, mas continuamos a trabalhar sobre “Las vidas de Poeta” no que se referia aos aspectos formais comparativamente a esses mesmos textos que passaram a fazer parte de Confieso que he vivido. Além desse estudo comparativo, pretendíamos nos aproximar, minuciosamente de cada um dos capítulos de “Las vidas del Poeta”. A comparação foi realizada e o estudo do primeiro capítulo concluído. Estávamos já, terminando a redação do estudo do segundo capítulo quando Delson Biondo veio a falecer em maio de 2014. Assim, as notas comparativas dos textos nerudianos e o estudo do segundo capítulo de “Las vidas del Poeta” não foram concluídos. Penso que a eles nada devo acrescentar.

Arquivo Aberto

Arquivo Aberto à recepção de trabalhos escritos em português ou espanhol que tratem da obra de Pablo Neruda, obedeçam às normas da ABNT e sejam acompanhados de um breve curriculum do autor. Os trabalhos poderão ser enviados para publicação neste Blog pelo e-mail pablonerudabrasil@gmail.com.

24 de dezembro de 2006

A Guerra de Espanha nas memórias de Pablo Neruda: a fogueira

            A quinta parte das memórias de Pablo Neruda tem por título “España en el corazón” e se inicia com o testemunho sobre Federico García Lorca e Miguel Hernández. Logo, sobre a revista El Caballo Verde da qual foi diretor e cujo sexto número não foi terminado porque, no dia em que deveria aparecer, o 19 de julho de 1936, Francisco Franco se rebelara contra a República espanhola. E, novamente, a presença do poeta de Bodas de sangre, no relato do pré-conhecimento que ele havia tido de sua morte. Então, Pablo Neruda fala de España en el corazón, seu primeiro livro de poemas combatentes: creio que poucos livros, na história estranha de tantos livros, tenham tido tão curiosa gestação e destino. Publicado em novembro de 1937, em Santiago, foi traduzido em várias línguas. Um ano depois, aparecia numa edição surpreendente, impresso perto de Gerona, num velho mosteiro. Seu amigo, Manuel Altolaguirre, o mesmo que o fizera diretor de El Caballo Verde, instalou uma impressora em plena frente de batalha. Os soldados aprenderam a fazer uso dela e quando faltou papel, o fabricaram num velho moinho, utilizando não apenas algodão e trapos, mas vendas, roupas, uma bandeira inimiga e a camisa ensangüentada de um soldado mouro. Porém, apenas ficou pronto o livro, deu-se a derrota dos republicanos e milhares de espanhóis iniciaram a sua fuga para França. Entre eles, Manuel Altolaguirre e os soldados que haviam composto e impresso, em meio à ameaça de morte nas trincheiras, España en el corazón. O livro era para eles um orgulho e o carregavam para o desterro, na sofrida marcha em direção ao norte, numa longa fila, que, muitas vezes, sofria a ação de bombardeios.
            Doze anos antes do aparecimento de Confieso que he vivido, Pablo Neruda publicava na revista O CRUZEIRO Internacional, dez capítulos de suas memórias. O sétimo deles, com o título de “Tempestad en España”, se inicia com o relato da comemoração, na Espanha, dos vinte e cinco anos da insurreição contra a República: Justamente quando escrevo estas linhas, a Espanha oficial celebra vinte e cinco anos da insurreição. Um dado temporal que precisou ser alterado quando retomou os textos escritos em 1962 para o seu livro de memórias. Assim, vinte e cinco anos foi substituído pelo termo tantos que, impreciso, remete ao momento em que ocorreu a ação para um passado indeterminado, permitindo a leitura em qualquer tempo. No entanto, se tal substituição foi necessária, outras houve como, também, eliminações e acréscimos de palavras ou de expressões que se originaram dos mais diversos motivos. Na menção que faz, no texto da revista, à tropa que Franco (designado por Caudillo) passa em revista, ele diz: Estas tropas, que suponho composta por rapazes que não conheceram esta guerra.  No livro, a seqüência sofreu o acréscimo da expressão na sua maioria e a substituição dos adjetivos demonstrativos que, então, passam a indicar uma ação ocorrida mais distante no tempo: umas tropas compostas, na sua maioria, de rapazes que não conheceram aquela guerra. Mais adiante, no texto de O CRUZEIRO, se refere aos moços que desfilam diante da Guarda Moura como aqueles que ignoram talvez a história ou conhecem somente seu lado branco ou negro. No livro, a seqüência em questão, se transforma: ignoram talvez a verdade dessa história tremenda. No episódio que narra a retirada dos republicanos para a França, as modificações possuem um significado que vai além de simples preocupação estilística. Ao se referir aos inúmeros bombardeios lançados sobre os fugitivos inicia a frase com o advérbio alli e usa o verbo desgranar (debulhar): Ali caíram muitos soldados e se debulharam os livros na estrada. Outros, extenuados, enfiaram embaixo de uma pedra ou atrás de um arbusto os perigosos ramos de minha poesia. No livro, apenas: Caíram muitos soldados e se esparramavam os livros na estrada. Outros continuavam a infindável fuga. E o que na versão do livro apareceu diluído numa frase de sujeito indeterminado, como a minimizar a atuação dos franceses, Além da fronteira trataram brutalmente os espanhóis que chegaram no exílio, na revista, se mostra claro não apenas quanto ao lugar, mas quanto ao sujeito da ação: Na fronteira da França as tropas francesas trataram brutalmente os homens que chegavam ao longo exílio.
            E destino igualmente perverso teve, nas injustas mãos francesas, España en el corazón: Numa fogueira foram imolados os últimos exemplares daquele livro ardente que nasceu e morreu em plena batalha.


Cecilia Zokner in Literatura do ContinenteO Estado do Paraná, Curitiba, 24 de dezembro de 2006