Divisão dos Arquivos

O Blog Pablo Neruda Brasil está apresentado em quatro seções obedecendo à data de publicação da matéria:

Arquivo Cecilia Zokner

Os breves textos sobre a poesia de Pablo Neruda foram publicados sob a rubrica Literatura do Continente no jornal O Estado do Paraná, Curitiba e fazem parte, juntamente com outros textos versando sobre Literatura Latino-americana, do Blog http:\\www.literaturadocontinente.blogspot.com.br. Os demais, em outras publicações.

Arquivo Adriana

Chilena de Concepción, amiga desde 1964, quando convivemos em Bordeaux, ao longo dos anos me enviou livros e recortes de jornal sobre Pablo Neruda. Talvez tais recortes sejam hoje, apenas curiosos. Talvez esclareçam algo sobre o Poeta ou abram caminhos para estudos sobre a sua obra o que poderá, eventualmente, se constituir uma razão para divulgá-los.

Arquivo Delson Biondo

Doutor em Literatura na Universidade Federal do Paraná. No ano do centenário de nascimento de Pablo Neruda, convidei Delson Biondo, meu ex-aluno do curso de Letras para trabalharmos sobre “Las vidas del Poeta, as memórias de Pablo Neruda”, constituídas de dez capítulos, publicados, em espanhol, na revista O Cruzeiro Internacional, no ano de 1962. Iniciamos o nosso trabalho com a sua tradução, visando divulgar, no Brasil, esse texto do Poeta que somente anos mais tarde iria fazer parte de seu livro de memórias Confieso que he vivido. Todavia, várias razões impediram que a tradução fosse publicada no Brasil, mas continuamos a trabalhar sobre “Las vidas de Poeta” no que se referia aos aspectos formais comparativamente a esses mesmos textos que passaram a fazer parte de Confieso que he vivido. Além desse estudo comparativo, pretendíamos nos aproximar, minuciosamente de cada um dos capítulos de “Las vidas del Poeta”. A comparação foi realizada e o estudo do primeiro capítulo concluído. Estávamos já, terminando a redação do estudo do segundo capítulo quando Delson Biondo veio a falecer em maio de 2014. Assim, as notas comparativas dos textos nerudianos e o estudo do segundo capítulo de “Las vidas del Poeta” não foram concluídos. Penso que a eles nada devo acrescentar.

Arquivo Aberto

Arquivo Aberto à recepção de trabalhos escritos em português ou espanhol que tratem da obra de Pablo Neruda, obedeçam às normas da ABNT e sejam acompanhados de um breve curriculum do autor. Os trabalhos poderão ser enviados para publicação neste Blog pelo e-mail pablonerudabrasil@gmail.com.

26 de outubro de 2017

João Manuel Simões


Eu não misturaria política com arte. Alhos com bugalhos. São departamentos distintos. O meu amor por livros como Veinte poemas de amor y  una canción desesperada e Odas elementales ou Waste land e Four quartets nada tem a ver com as posturas ideológicas de Pablo Neruda e T.S.Eliot. Que se situavam, como é público e notório, em planos opostos. Mas isso é mero detalhe biográfico irrelevante. O que importa, em ambos, é a qualidade intrínsica de sua poiesis. E essa, que terá a ousadia – ou a coragem- de discuti-la ou negá-la?

João Manuel Simões.  Pound, Joyce, Eliot & Neruda. In Ensaios escolhidos. Segundo volume. Curitiba: Editora e Livraria do Chaim, 2017

Arquivo Outros - João Manuel Simões, Curitiba, 2017

16 de dezembro de 2016

Pablo Neruda: As eliminações na reescrita das suas memórias

Ao retomar os dez capítulos de suas memórias, escritas em 1961, para serem publicadas na revista O Cruzeiro Internacional, com o fito de inclui-los no seu livro autobiográfico Confieso que he vivido (1974), Pablo Neruda fez nesses textos inúmeras modificações. Tanto quanto à pontuação como quanto ao vocabulário e à Sintaxe, essas modificações atenuam ou intensificam ou transformam o sentido do texto. No que se refere à palavras, ou frases ou parágrafos ele  acrescenta, substitui ou elimina. Sobre tais eliminações versarão as linhas que seguem.
Algumas eliminações se explicam por si mesmas, exigidas pelo tempo transcorrido ou por circunstâncias que não mais existem. Assim, as observações sobre seu amigo Manuel Altolaguirre, sólo hace dos años que ha muerto (Capítulo sétimo), [A indicação das páginas de Confieso que he vivido  onde deveriam estar situadas as frases e os parágrafos eliminados, estão indicadas no Estudo Comparativo que acompanha cada uma das transcrições dos capítulos das memórias de O Cruzeiro  que serviram de fonte para o presente estudo.  Pertencem ao Arquivo Delson Biondo.] desaparecem na versão do livro, assim como aquela que se refere ao pintor José Caballero, es ahora el maestro de la Duquesa de Alba(Capítulo sétimo) e ao Puerto Saavedra, hoy destruido por un cataclisma(Capítulo Primero. Ou, quando menciona uma situação do presente que não mais se mostra válida quando da redação de Confieso que he vivido anos depois: Estas Memorias y Recuerdos que he escrito para la Revista “O Cruzeiro  del Brasil” (Conclusión); ou Escribo en Isla Negra en la costa, cerca de Valparaiso, en este año de 1961 (Capítulo quinto).
No capítulo das Memorias de O Cruzeiro, “Dicciones y contradicciones” nas últimas linhas que seguem ao texto dedicado a César Vallejo, Neruda como que teoriza: Como casi todos los seres, todo lo veo claro el lunes, todo lo veo oscuro esl martes y pienso que este año de 1961 es claro-oscuro. Los próximos años serán de color azul. Evidentemente, este ano a que se refere é aquele em que está redigindo suas memórias para a revista brasileira e, assim, na sua segunda redação, dez anos depois, conserva as mesmas frases e elimina, apenas, o ano 1961.
Em outro texto do capítulo VI, Em “Ceilan,la soledad luminosa” da revista Neruda conta que: Recientemente, en estos mismos días, y acercándome ya a los sesenta años, mi hermana me ha traído un cuaderno de mis más antiguas poesías escritas en 1918 y 1919.
Os dez anos que se passaram desde que escrevera para O Cruzeiro tornaram a informação sobre a proximidade de seus sessenta anos ultrapassada. Então, é lógica a eliminação da referência de seus sessenta anos. No entanto, não somente ele a eliminou como não a atualizou ao conservar uma parte da nota temporal: En estos días me ha traído mi hermana un cuaderno que contiene mis más antiguas poesía escritas en 1918 y 1919.
Numas tantas vezes, a eliminação de frases poderá se constituir um desejo de descrição vis à vis de situações que poderiam ser consideradas laudatórias: una comida de gala a la cual había sido envitado (Capítulo VI) e , cuyo episodio final me tocó ser invitado (Capítulo  IX ), De improviso, mientras nos preparábamos para el almuerzo, al que estábamos invitados (capítulo IX).Porém, especialmente interessantes  aquelas eliminações que  sugerem mudanças de sentimentos ou de opinião, uma nova visão de mundo, o desejo de evitar constrangimentos ou inimizades, minorar ou eliminar críticas. As mais curiosas tem a ver com Dominique, mulher de Paul Eluard e com a jovem brasileira com quem cruzou no navio que o levava para a Europa. Ao relatar as dificuldades pelas quais passou Paul Eluard exilado no México suas palavras são, não apenas laudatórias mas plenas de afeto e, em passant, menciona Dominique que foi o seu último amor. Termina o texto dizendo: A ella dedico este recuerdo, ya que su presencia sigue siendo florida.  Frase esta, que foi eliminada em Confieso que he vivido. Algo sucedeu que o indispôs com Dominique e, então, sua presença não continuou a ser florida ou houve alguma interferência que levou a eliminar a opinião elogiosa. Provavelmente, algo semelhante em relação ao que escreveu sobre a jovem que viajava no “Baden”, em 1927. Em Confieso que he vivido diz que na viagem dejé de ver el mundo y el monótono Atlántico para solo contemplar los ojos oscuros y anchos de una joven brasilera, infinitamente brasilera,  que subió al barco en Río de Janeiro, con sus padres y sus dos Hermanos. (pág. No entanto, na primeira versão de suas memórias acrescenta: Aquellos ojos oscuros, que sólo al pasar se enredaron con los míos, duraron mucho en mi recuerdo (Capítulo  III). O passar do tempo eliminou essa lembrança ou, outra vez, houve alguma ingerência para que essa lembrança deixasse de existir? Teria ocorrido o mesmo em relação ao texto em que o Poeta narra a sua chegada em Goiânia, junto com Delia del Carril de quem iria se separar no ano seguinte, para participar do I Congresso Internacional de Intelectuais em 1954? Como já foi dito no artigo “Memorias folhetinescas de Pablo Neruda em O Cruzeiro Internacional” (BIONDO, Delson e Zokner, Cecilia), publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, número 24 (2013) e no Arquivo Delson Biondo do Blog Pablo Neruda Brasil. Evidentemente Matilde Urrutia não o acompanhou nessa viagem  e do Rio de Janeiro, antes de viajar a Goiânia Neruda lhe  escreve amorosamente (Ver Cartas de amor. Pablo Neruda. Edición, Introducción y notas de Darío Oses, Barcelona, Seix Barral, 2010, p.60). Ou a motivação de falar sobre Goiânia num texto que seria publicado no Brasil, na segunda versão deixara de existir? O fato é que esse parágrafo sobre a sua chegada na cidade (Capítulo primeiro de O Cruzeiro  não foi conservado em Confieso que he vivido: Hace cuatro o cinco años, para assistir a un Congreso en Goiânia, hice con el escritor y senador Baltazer Castro un viaje aéreo que me pareció el más largo de los viajes. Por encima del vasto Brasil, el avión de carga en que íbamos atados al asiento, como condenados, tambaleaba y crujía por aquellos huracanados cielos. Y, cuando, maltrechos, por fin llegamos al hotel y tuve valor para asomarme a la ventana, vi una ciudad sin pasado, sin  telarañas, en que todo se estaba empezando a hacer. Otra vez un mundo de ferreterías. Me volví hacia Baltasar y le dije: “Tanto sufrir en el avión, tanto viajar por el mundo, y todo para volver a Temuco.”
Nessa inegável possibilidade de ter lhe ocorrido uma eventual mudança de afetividade, podem estar, igualmente, as frases que, talvez, ele tenha considerado líricas demais: Por qué los trenes ya no llevan pasajeros alegres?  (Capítulo III).  Pero el verano de mi infancia redimía toda la tristeza, pintaba de azul el cielo, de claridad las calles, y de trigo las colinas. (Capítulo I). No es éste el único bien que recibí de Gabriela Mistral. Su dramática poesía y su sonrisa de muchacha traviesa, son cosas que también sigo atesorando (Capítulo I).  Também as relacionadas com a Espanha que se encontram no capítulo VII. Uma delas vem logo depois da pergunta que lhe fez Miguel Hernández: – No podría el vizconde encomendarme un rebaño de cabras por aqui cerca de Madrid! Toda esa época de antes de la guerra tiene para mí un recuerdo como de racimo cuya dulzura ya se va a desprender, tiene una luz como la de rayo verde cuando el sol cae en el horizonte marino y se despide con un destello inolvidable. No capítulo “España en el corazón” de Confieso que he vivido  foi eliminada.  A outra, também pertencente ao sétimo capítulo das memorias de O Cruzeiro é um lamento inserido entre o texto que termina com a frase Góngora un río de rubíes e o que menciona a Valle Inclán: En aquel Madrid que me acogío como hijo y hermano las ilustres figuras me conocieron. Siento no haberlos frecuentado más porque nunca creí que  Madrid fuera perecedero, que tenía un día marcado para que yo lo dejara y no pudiera ya volver. En Confieso que he vivido, após a frase Góngora un río  de rubíes, o parágrafo seguinte trata já de Valle Inclán. Porque, sem dúvida, nos dez anos que transcorreram entre uma redação e outra, houve mudanças de certos sentimentos, assim como de sua visão de mundo. Dai decorrendo a eliminação de textos que não mais estavam em acorde com o que sentia ou pensava. Ao contar o início de sua viagem pelos Andes, fugindo da perseguição policial, menciona Jorge Bellet como chefe de que chamou a “expedição”. Na revista O Cruzeiro, o rotulou de mi amigo e lhe dedica umas linhas  às quais acrescenta informações sobre o tempo e a paisagem: Mi amigo Jorge Bellet era el jefe de la expedición. Antiguo piloto, hombre de acción, ahora montaba un gran aserradero junto al lago Maihue. De allí salimos un día al amanecer. Ya estaban cayendo las primeras lluvias. La selva virgen estaba envuelta en su niebla o lluvia matutina. Em Confieso que he vivido,  consta apenas Mi compañero Jorge Bellet era el jefe de la expedición. Mudou a expressão “mi amigo” por “mi compañero” e eliminou o que dizia sobre ele assim como as referências ao tempo e à paisagem. Já bem claro as conhecidas razões, que levaram à eliminação do texto em que se refere a Alejo Carpentier. Na revista O Cruzeiro, logo depois de relatar a caçada de elefantes, no capítulo VI: El tiempo pasaba en uma placidez ardiente. Había casi terminado de escribir el primero volumen de Residencia en la tierra cuando tuve por primera vez una relación fraternal con escritores de outro mundo, del pequeño o grande mundo europeu que nunca había existido para mí de forma tangible. Alejo Carpentier, en Paris, y luego el joven poeta Rafael Alberti, de quién yo nunca había oído hablar, leyeron los poemas de ese libro y decidieron editarlo.  Aquellas tentativas fueron frustradas, pero me dieron la sensación de que mi poesía no estaba sola, que comenzaba a palpitar fuera de mi destierro. Desde entonces data mi acendrada amistad hacia Alejo Carpentier, a quien ahora he visto firmemente vinculado a su pueblo engrandecido y respetado. Continua mencionando a Rafael Alberti, príncipe de una poesía siempre fresca y fragante, la guerra de España nos dio una hermandad aún más profunda y duradera. Frase que também desapareceu em Confieso que he vivido, mas não a sua admiração pelo poeta espanhol. Além de mencioná-lo várias vezes no seu livro de memórias relacionado a momentos vividos juntos, dedicou a sua poesia um entusiástico texto e influiu, junto com Aragon e Ehrenburg para que lhe fosse concedido o Prêmio Lenin de la Paz. Por outro lado, sua admiração por Ramón Gómez de la Serna en O  Cruzeiro, el mayor poeta de nuestro idioma,  en Confieso que he vivido foi mudado para: es para mí uno de los más grandes escritores de nuestra lengua como eliminado o seu protesto por não ser lembrado como candidato ao premio Nobel: Cuando en nuestra América provinciana se barajan nombres para el Premio Nobel, yo protesto porque no se piensa en este gran escritor desterrado y casi olvidado en el desierto de Buenos Aires.
            É possível que não lhe interessasse, ao redigir as suas memórias, lembrar uma opinião sobre a América e sobre Buenos Aires que não eram muito laudatórias. Como também, aquelas relacionadas a seu país, à Espanha, França e Inglaterra que não apareceram em Confieso que he vivido. De seu país, criticou a subserviência cultural (não isenta nos demais países do Continente) espera el vuelo de una mosca estética em Paris para cambiar la dirección de su própio vuelo, texto que não aparece em Confieso que he vivido. Como tampouco a observação que faz sobre o comportamento do Presidente do Chile que na campanha para se eleger juro hacer  justicia, y su elocuencia activa le atrajo gran simpatia hacer  justicia. Mas como Neruda logo esclarece, os presidentes en nuestra América criolla sufren muchas veces una metamorfosis extraordinaria. E, assim eleito presidente pouco a pouco se converteu em magnate. E agora, diz  Neruda, é Presidente de um Banco Internacional, frase que aparece no nono capítulo da revista e que foi eliminada em Confieso que he vivido, como também o parágrafo que segue: Todo el mundo puede aspirar a ser banqueiro. Es un derecho y un sistema de vida para muchos, el mundo elegante de los clubs de elite. Pero, en este caso, la conversión fue demasiado rápida y descalabrante.
            Portanto, parece não haver mistério no fato de Neruda ter desejado evitar ferir suscetibilidades ao reescrever suas memórias. Assim, o que disse no capítulo sétimo “Tempestad en España!” ao narrar os ataques sofridos por ele, perseguido sistematicamente nos artigos de domingo, pelo poeta espanhol Juan Ramón Jiménez, esclarece: Nunca contesté nada. No respondí – ni respondo – las agresiones literárias. E no próximo parágrafo acrescenta: Este ha sido mi procedimiento, mi manera de polemizar sobre mi persona, antes y ahora. Las rencillas literarias, toda esa guerrilla de baja ley que se alimenta con tantos resentimientos, ha sido pagada por mí con un extravagante silencio que mantengo y que tiene eficacia mortífera. Parágrafo este que foi eliminado en Confieso que he vivido ou com o objetivo  de  minimizar embates com eventuais críticos ou por que tais críticos, absolutamente, já não lhe interessavam? Procurou, igualmente, evitar melindres quando eliminou, na segunda redação de suas memórias,  a frase  trocista com que as inicia na revista O Cruzeiro?  En una revista del Norte, de cuyo nombre no quiero acordarme, hay una sección bobalicona llamada “Mi personaje inolvidable”. Simplista, a frase está longe das belas frases que seguem e se constituem, elas sim, as primeiras linhas de suas memórias.
            Mais instigantes, certamente, aquelas que se referem à atuação das tropas francesas quando da chegada dos republicanos que fugiam do exército de Franco. No capítulo VII das memórias de O Cruzeiro, ao relatar a retirada de milhares de espanhóis que buscavam abrigo na França, ele relata que: En la frontera de Francia  las tropas francesas trataron brutalmente a los hombres que llegaban al largo exilio. No texto de Confieso que he vivido  ele amaina a sua afirmativa, eliminando a situação geográfica precisa e deixando indeterminado o sujeito da ação: Más allá de la frontera trataron brutalmente a los españoles que llegaban al exilio. A informação se torna vaga e, após tantos anos passados, clara somente para alguns.
            Três de suas críticas mais severas se referem à Inglaterra colonialista e se localizam nos capítulos IV, V e VI da revista que relatam sua estada no Oriente. Numa delas, eliminou o seu julgamento de valor. Ao contar que os colonizadores ingleses deram ordem a um de seus funcionários para destruir a cabana de um cingalês com o objetivo de expropriá-lo  de suas terras, não foi obedecido por ele, razão pela qual foi privado de seu cargo e enviado de volta para a Inglaterra. Diz Neruda: El se negó a hacerlo y aunque no pudo impedir la injusticia, fue privado de su cargo. Em Confieso que he vivido, o texto foi modificado pela eliminação da frase  y aunque no pudo impedir la injusticia, deixando ao leitor a interpretação do fato uma vez que, então, se absteve de fazê-lo.   Outros dois textos que não deixam dúvida quanto a sua opinião sobre a política dos colonizadores ingleses foram igualmente eliminados. Um deles, nas memórias de O Cruzeiro está no quarto capítulo  no qual descreve os locais dos fumadores de ópio onde tudo era austero nas suas tarimbas sem pintura e nos seus cachimbos de bambu. No parágrafo seguinte faz um comentário sobre o monopólio do ópio que não é nada lisonjeiro para aqueles que o detém: Cada uno de estos centenares de miles de locales tenía licencia del gobierno inglés, que asumía el monopólio del opio, así como los holandeses em sus colônias vecinas y los mismos ingleses en la China de entonces. En algunos de esos países las entradas del opio proporcionaban a ingleses y holandeses el catorce por ciento de la rentas nacionales. Mientras tanto, en Ginebra, se pavoneaban los pulcros funcionarios de Inglaterra y de Holanda, perfectos gentlemen, perorando en contra de la venta clandestina del opio. – Estos chacales envenenan al mundo, decían en sus discursos, mientras que sus elegantes pantalones rayados eran tal vez comprados con el producto de aquelles sombríos y solemnes fumaderos del Imperio. Certamente por essa razão – não ser nem um pouco lisonjeiro – Neruda elimina o parágrafo. No capítulo quarto de Confieso que he vivido,  o texto “El opio!”  foi escrito a partir de umas poucas frases de suas memórias de O Cruzeiro as quais ele acrescenta a narrativa de sua experiência de fumador de ópio e a sua compreensão do significado dos chineses se entregarem a ele:  Comprendí por que los peones de plantación, los jornaleres, los ricksamen que tiran y tiran del  ricksha todo  el día, se quedaban allí de pronto, oscurecidos, inmóviles… El opio no era el paraíso de los exotistas que me habían  pintado, sino la escapatoria de  los explotados. Mais adiante, ele repete o que havia escrito antes sobre os colonizadores, reafirmando o seu execrável papel:  El opio de los magnates, de los colonizadores se destinaban a los colonizados...Los fumaderos tenían a la puerta su expendio autorizado, su número y su patente… Isto é, o que Neruda escreveria, ainda uma vez, no capítulo quinto da revista O Cruzeiro: - China de 1929 - El paraíso de las concesiones extrangeras, los acorazados europeos frente a los bancos de Shangai  que não confirmaria en Confieso que he vivido. Como tampouco deixou registrada, no libro, essa lembrança terrível da anciã que lhe mostraram: Los ingleses parecían eternos. El recuerdo de una anciana que me mostraron en una casa, todavía me estremece. Me exhibieron sus viejos, arrugados y oscuros pies, que carecían de pulgares.  Se los habían cortado las antiguas autoridades inglesas. Ese era el castigo de la Est Company a las tejedoras y tejedores que en el siglo pasado desobedecían las órdenes del Imperio y se empeñaban en tejer sus propias telas. (Capítulo V da revista O Cruzeiro).
            Mas, de certa forma, o mais terrível texto que ele eliminou em Confieso que he vivido é o que trata do que ele chamou de “tráfico dos perseguidos”. Trata-se de um parágrafo do VIII capítulo das Memorias da revista O Cruzeiro. Era no início da guerra quando Paris apagava suas luzes para se proteger dos bombardeios alemães. No había menos tinieblas en las almas. Junto al olor de sangre que llenaba al llamado Occidente se despertaba la codicia. Comenzó en los Consulados el tráfico de los perseguidos.

                 Por esos días entré repentinamente a la oficina de un Ministro Diplomático de uno de nuestros países de América del Sur. Nunca olvidaré la sorprendente visión que tuve ante mis ojos. Su gran mesa escritorio estaba cubierta de columnas de monedas de oro. Apenas si puso atención a mi entrada. Siguió tomando las monedas y organizando sus columnas. El Ministro era un hombre rechoncho y pálido, con escasos cabellos rubios sobre su brillante cabeza. Sus manos regordetas iban y venían desplazando las libras esterlinas.  Sus blancas manos de monja volaban sobre el oro.
                 En unos días el Ministro se había vuelto millonario. Joyeros de Amsterdam, comerciantes de Bruselas, judíos acaudalados de todas partes le dejaban esos tesoros y montones de relojes y collares por una visa o un pasaporte. El Ministro recibía los presentes, con sus manos de abadesa firmaba los documentos que garantizaban la escapatoria de los perseguidos, pero, poco después, para que todo quedara en silencio, denunciaba a la Gestapo los fugitivos. Poco les había servido la flamante documentación.

            Em  Confieso que he vivido, igualmente logo após o relato da partida de Louis Aragon para a frente de batalha vem o mesmo texto de suas primeiras memórias: Me acostumbré en aquellos días crepusculares a esa incertitumbre europea que no tiene revoluciones continuas ni terremotos, pero el veneno mortal de la guerra saturando el aire  y el pan. Por temor a los bombardeos, la gran metrópoli se apagaba de noche y esa oscuridad de siete millones de seres juntos, esas tinieblas espesas en las que había que andar en plena ciudad luz, se me quedaron fijadas en la memoria. Porém, ao finalizar o texto, eliminando todo aquele que se lhe seguiu, o retrato do ministro, um homem desprezível e a menção a seus  atos desprezíveis, que por alguma razão,  talvez fosse passível de ser identificado, Neruda não desejou  que tornasse a ser publicado.
            Deveras instigante, considerando-se a sua extensão (cinco parágrafos) a eliminação do texto que aparece nas memórias de O Cruzeiro que se inicia com uma frase que á continuação do parágrafo anterior: Era conducto de um tren lastrero. Em Confieso que he vivido, igualmente, dando continuação ao parágrafo anterior, a mesma frase. Mas o texto que segue é outro e diferente daquele que foi eliminado que, no entanto, contém informações que não são em nada negligenciáveis.
           
            Era conductor de un tren lastrero Estos trenes lastreros conducían piedras y arena que depositaban entre los durmientes de la línea férrea, para que la intensa lluvia no moviera los rieles. Debiendo excavar el lastre de las canteras, este tren de mi padre permanecía en cualquier rincón selvático, por semanas completas.
            El tren era novelesco. Primero, la gran locomotora antigua, luego los innumerables carros planos en los que la pala excavadora depositaba las pequeñas montañas de la entraña terrestre, después los carros de los peones, por lo general, rudos gañanes de vida desordenada, y luego el vagón en que vivían sobre ruedas mi padre y el telegrafista. Todo eso en medio de faroles de vidrios verdes y rojos, de banderas de ceñales y mantas de tempestad, de olor aceite, de hierros oxidados, y con mi padre, pequeño soberano de barba rubia y ojos azules, dominando como un capitán de barco la tripulación y la travesía.
                        Viajé muchas veces por los ramales en esta casita de mi padre que se detenía junto a la selva primaveral, selva virgen que me reservaba los más espléndidos tesoros, inmensos helechos, escarabajos deslumbrantes, curiosos huevos de aves silvestres.

            Neste trabalho de  relacionar algumas  das mudanças feitas no texto das memórias de 1961 quando de sua reescrita para o livro Confieso que he vivido que visou somente as eliminações ficou evidente que nos três capítulos iniciais as mudanças e, assim, também, as eliminações, foram em pequeno número. Somente a partir do quarto capítulo e que elas começaram, quanto à quantidade, a serem mais significativas. E quanto aos significados das eliminações, eles parecem ter sido os mais diversos: os passíveis de serem justificáveis, exigidos pela passagem do tempo ou outros cujos motivos, aparentemente, não são muito fáceis ou impossíveis de desvendar. O que, no entanto, não deixou dúvidas foi a evidência da transformação do texto de 1961 para o seu aproveitamento em Confieso que he vivido que um estudo mais apurado e abrangente só poderá vir a confirmar.   E que, sem dúvida, mostrará facetas do Poeta quanto a seu cuidado pela forma (valha o conceito antigo) e quanto à sua maneira de pensar ou de sentir transformada pela passagem do tempo ou das  circunstâncias.


Cecilia Zokner, Trabalho inédito, Curitiba, 16 de dezembro de 2016

25 de novembro de 2016

CARTAS DE AMOR DO POETA


                        Tendría  mucho que decirte pero inútiles son las palabras.
                                                                                              Pablo Neruda


Resumo
            Estudo da correspondência do Poeta chileno Pablo Neruda para sua mulher Matilde Urrutia, escrita no período de 1950 a 1973, compreendendo duas séries chamadas pelo compilador das cartas de “A época do amor secreto” (1950-1955) e “Quando o amor já não se oculta” (1955-1973). A aproximação descritiva se ateve aos pormenores de apresentação como tipo do papel e modo de escrita e nos elementos intrínsecos dos conteúdos, nos detalhes formais (tratamento, vocativo, data, assinatura) e nos assuntos nos quais se entremeiam questões práticas do cotidiano e projetos de futuro. E, sobretudo, as expressões do amor não isentas de ciúme, tampouco das certezas tão próprias dos apaixonados.

Palavras chaves
Carta, amor, segredo, poeta.



The Poet´s love letters
Abstract
A study of the letters exchanged between the Chilean Poet Pablo Neruda and his wife Matilde Urrutia, from 1950 to 1973, encompassing the two series arranged under the headings “Time of secret love” (1950-1955) and “When love no longer hides” (1955-1973). The descriptive part focuses on details of presentation ─ such as type of paper and modes of writing ─ on intrinsic elements of content, on formal details (treatment, addressing, date, signature) as well as on subject matter. Intermingled in the letters are everyday practical matters and projects for the future, and, mainly, love endearments not entirely free from touches of jealousy, or which express the many certainties of lovers.

Keywords
Letters, Love, Secret, Poet.


             Em 2010 a Editorial Seix Barral de Barcelona publicou Pablo Neruda Cartas de amor. Uma edição de duzentas e cinquenta e nove páginas, impressa em papel ecológico com Introdução e notas de Dario Oses. Na breve Introdução, ele apresenta Matilde Urrutia e numas poucas palavras se detém no primeiro encontro dela com Neruda sob o signo da música, em Santiago e nos que se lhe seguiram. Presença/ausência nos muitos itinerários, justificando as cartas e os bilhetes e que norteia uma correspondência iniciada em fins de 1950 prolongada até 1973, cuja constante foi a renovada declaração de amor. Sobre essa correspondência – conservada por Matilde Urrutia e hoje, parte do Archivo de la Fundación Pablo Neruda – se refere, brevemente, aos assuntos das cartas e aos diversos tons emocionais com que foram escritas como, também, à maneira como as ordenou. Seu cuidadoso trabalho permite conhecer, com raras exceções em que não lhe foi possível decifrar a letra do Poeta, na íntegra, esses pequenos bilhetes, breves notas e cartas. Acompanhando o texto em letras de imprensa, a reprodução do respectivo original, deixando evidente, no papel em que foi escrito e nos desenhos que, por vezes, o enriquecem, a informalidade e o lúdico, expressão dessa veia espontânea e brincalhona que o Poeta sempre revelou no trato com seus íntimos e em alguns de seus poemas.  Notas antecedem cada uma das cartas e bilhetes, situando-as, quando foi possível, no tempo e, igualmente, quando possível, esclarecendo sobre o lugar onde foram escritas. Muitas são as notas de rodapé em que Darío Oses igualmente, explica algum pormenor da vida de Neruda, baseando-se em obras de outros estudiosos, dos livros Las uvas y el viento e Los versos del capitán e do poema “Que despierte el leñador”. Esclarece quem são esses amigos citados pelo Poeta, confessando que no que se refere a essa enigmática tia que coordena a presença de Neruda na Itália, nessa época, não lhe foi possível conhecer a identidade. Tampouco pode saber a identidade de outras pessoas citadas apenas pela inicial do nome uma vez que não o esclareceu. Aclara sobre a situação geográfica de dois topônimos chilenos e sobre uma expressão que Neruda usou que é um estribilho próprio da música popular chilena. Também sobre o problema de saúde de Matilde e sobre o nome, entre humorístico e provisório que haviam dado ao filho que esperavam. Certamente, um trabalho cuidadoso e de grande valia o possibilitar o conhecimento dessa correspondência de Neruda que tanto pela forma com a qual é apresentada como pelo conteúdo é, sem dúvida, suis generis se comparada ao epistolário amoroso de seus congêneres mais conhecidos.
            Certamente um trabalho minucioso e de grande valia possibilitar o conhecimento dessa correspondência de Neruda que tanto pela forma com a qual é apresentada como pelo seu conteúdo é, sem dúvida, suis generis se comparada ao epistolário amoroso de seus congêneres mais conhecidos.
            Matilde, longo e grande amor de Pablo Neruda é a destinatária dessas cartas, escritas entre 21 de dezembro de 1950, quando Pablo Neruda não havia, ainda, se separado   de sua segunda mulher, Delia del Carril, até fevereiro de 1955, ao ocorrer o rompimento e se inscrevem na época del amor secreto como chamou Darío Oses a esse período. Formam a primeira e a segunda parte do livro. Daí ser explicável que nas primeiras cartas, Delia del Carril seja, por vezes, mencionada. Presente, implicitamente, no verbo de primeira pessoa plural quando o casal ainda fazia viagens juntos: hemos estado em Varsóvia, Praga y Viena...; Nosotros regresaremos allí [em Paris] dentro de un mês; hemos vuelto de Shangai, escríbenos a Praga; salimos mañana a la reunión que tu sabes [..]; escríbeme una carta para nosotros [...]. Ou, mencionada como se, efetivamente, participasse das decisões: Ahora no me escribas mas privadamente. Contestame e en forma general sobre tu vida y proyectos, y así me dices tu decisión para que se sepa y tome yo con Delia las medidas necesarias. E, quando pretende camuflar o relacionamento, enviando a Matilde um postal da Rússia onde assina Pablo y Hormiga, o apelido de Delia. Ou, no convite que faz para que passe o Ano Novo com eles: Comunicamos a Ud que pasaremos el Año Nuevo em Roma. Queremos contar contigo, chilena loca. Vente esse dia de donde estes y te vuelves donde no te preguntaremos. Teléfono para preguntar por nosotros em Roma [...]. Na carta de 26 de outubro que Dario Oses presume ser de 1951, primeiramente diz de sua raiva ao telefonar-lhe e não a encontrar em casa e de quanto falou mal dela por isso a ponto de Delia ter se incomodado. Faz referência aos presentes que lhe enviou e pede que mencione ter comprado algo chinês. Também, que ela conte tudo sobre seus amigos de viagem sobre o que irá averiguar. No segundo parágrafo anuncia estar tudo ajeitado conforme combinaram e que irá telefonar, pois eles têm muito o que dizer e que tomou decisões que irão lhe agradar. Pede que programe bem os detalhes da viagem, que pense no que vai dizer na carta a D. (certamente Delia). Três dias depois, de Paris (segundo o P. que antecede a data e informação de Dario Oses), torna a se referir a nuestro projecto que está confirmado e supõe que ela já deve ter recebido o jaquetão o qual deverá ser mencionado somente para ele. Pede que lhe escreva uma carta para nosotros (na verdade, para ele ainda que, certamente, o pronome no plural faça supor que dirigida a ele e a Delia), esclarecendo sobre seus companheiros de viagem e o hotel em que ficaram na Suiça. Insiste no pedido porque essa viagem é comentada devido a uma carta que ela mandou para D. (outra vez apenas a inicial do nome Delia). Finalmente, a carta em papel timbrado do Hotel Cornavin de Genebra, com a notação do dia da semana e do mes (miércoles, 12) em que, ainda uma vez se refere à Delia, desta feita usando a letra H., provavelmente de Hormiga, como é presumível e nota Dario Oses. Diz que anjo ou diabo ela continua velando pelo amor deles, pois H. aceitou plenamente, o plano que ele havia ideado para afastá-la e assim eles poderem estar juntos sem maiores entraves.
            Assim, na verdade, nunca houve da parte do Poeta, uma preocupação quanto ao papel em que escrevia. Usava papel timbrado (ou um envelope) do Senado do Chile, da Câmara dos Deputados da Itália, da “Fundación Pablo Neruda para el estudio da la poesia”, de hotéis (Copacabana Palace do Rio de Janeiro, Cornavin de Genebra, Hôtel d´Angleterre de Roma, Grand Hôtel e Malmen de Estocolmo, Maury de Angofogasta). Ou folha destacada de uma agenda, envelope, algum pedaço de papel rasgado qualquer e postais (paisagem da Rússia, de Machu-Pichu, de Buenos Aires, reprodução de Jacob van Ruisdael, da companhia aérea na qual viajava). Até porque em Paris, escreve no Correio (he venido al correo y em medio del torbellino de gente que pasa a mi lado solo tengo tiempo para darte el beso que te mereces) ou num Congresso em que algum intervelo lhe permita fazê-lo:Como por aquí pasa mucha gente a verme y me miran la carta voy a cerrarla . Então, se por vezes, os papéis são ilustrados como aqueles que usa quando lhe escreve da China, na maioria das vezes, nessa correspondência para Matilde datada de Roma, Berlim,Paris,Viena,/Rio de Janeiro, Buenos Aires, Isla Negra, Genebra, Pequin, Estocolmo, Nápoles, Genebra, viajando no trem transiberiano ou, ainda, num voo, chegando em Buenos  Aires,entre Londres e a Suissa, sobrevoando a Espanha, o faz, servindo-se do papel que, no momento, lhe está às mãos e com letra do próprio punho
            Exceções, as duas pequenas cartas datilografadas. Uma delas, em papel chinês, sem erros e a outra, posterior, em que o Poeta comenta ter comprado a máquina (esta GANGA) o que explicaria as imperícias na datilografia, como aponta Dario Oses. As demais cartas são todas manuscritas, na letra apressada que lhe é peculiar. Vez por outra com uma letra maior do que a habitual e quase sempre com tinta verde ainda que, de vez em quando, use vermelha que a impressão do livro tem o cuidado de acompanhar. E azul (ao escrever de Berlin ou no avião) ou preta (em breve frase, acompanhando umas entradas, num bilhete, junto com mensagens de dois amigos e naquele que trata de questões práticas e diz ter perdido a caneta); ou algumas linhas com tinta verde que deve ter acabado uma vez que usou também tinta azul. Uma escrita alinhada horizontalmente, por vezes um pouco ascendente, inclinada para a direita, ocupando toda a superfície do papel ou completando o assunto na vertical ao aproveitar o espaço deixado pela margem. Ou bem ascendente como o pequeno bilhete sem data em que anota, apenas, com uma letra maior do que a habitual, Hoy miércoles; e uma ou outra vez em diagonal no papel retangular. Poucas vezes aparece descendente como nas cartas de 26, 29 e 31 de outubro de 1951, quando embrabece com Matilde; ou na de 10 de dezembro, sem ano, na qual ele conta ter estado gripado e provavelmente ainda não esteja recuperado, mostrando um certo desânimo e na carta em que se mostra cheio de saudade, a ansiar pelo encontro previsto. Há casos em que circunda ilustrações impressas no papel ou faz um desenho Na carta de 25 de outubro de 1952, um desenho cheio de significados: mesa com vaso de flores, mulher chorando com tantas lágrimas que não apenas constituem uma sopa de lágrimas, como caem para o chão, um cachorrinho malhado cuja curiosidade se revela no balão sobre ele, contendo um ponto de interrogação, duas garrafas, um sol que segundo as palavras escritas perto dele é indicador de esperança para as pequenas figuras humanas, Matilde na frente segurando a sua mão, correndo provavelmente para a liberdade.  Ou o desenho da carta sem data em que repete (como assinala Dario Oses) o retrato de Matilde que fez Diogo Rivera, isto é um rosto visto de frente e de perfil. Ou este outro desenho num pequeno bilhete: uma árvore da altura do cartão, uma casinha rudimentar no seu canto esquerdo, tendo ao lado, representado em poucos traços um ser humano e umas linhas horizontais, onduladas, ocupando a largura do cartão.Faz o desenho de uma flor num cartão em que escreve: Esta se la mando desde la estación de Berlin.
            Quanto à data, pode-se dizer que em cada carta, é diferente a maneira como o Poeta registra o dia, mês e ano em que escreve.  Ou não o faz e a informação é dada, ocasionalmente, pelo timbre do Correio ou por uma letra que se acrescenta à carta e que Dario Oses opina ser a de Matilde.  Informação que, no entanto, ainda no dizer do organizador das cartas, pode ser incorreta como no caso daquela cujo conteúdo parece não corresponder à data: 9 de outubro de 1959. Por vezes, é o próprio Neruda que põe em dúvida o dia em que escreve e lhe acrescenta um ponto de interrogação: Isla Negra domingo 14? E mais adiante, Feb.1955. Em quase uma dezena delas, ou pelo assunto ou pelo tom emocional ou, ainda, a partir do lugar de onde Pablo Neruda escreve, Dario Oses presume o ano em que foi escrita o que pode ser por aproximação como no caso da breve carta enviada da Finlândia onde Pablo Neruda esteve duas vezes, em 1955 e em 1957. Ou do postal enviado no dia 14 de setembro do trem Transiberiano que remete, com segurança, ao ano de 1951 que foi o ano em que o Poeta realizou essa viagem.Também aquela, sem data, mas que se refere ao aniversário de Matilde escrita numa sexta feira, certamente num 5 de maio.  De maneira geral, a data é colocada no início da carta, pode acontecer, porém, que ela apareça no meio do texto ou no fim. Poucas vezes, elas trazem as três informações usuais. Muitas, simplesmente, não são datadas: aquelas, na sua maioria, escritas quando o Poeta e Matilde já moravam em Santiago, mas, ainda, em casas separadas e eram enviadas e recebidas no mesmo dia quando, então, ele escreve apenas hoy ou hoy miércoles.Nas demais, as combinações são as mais variadas: somente o dia do mês ou somente o dia da semana. Ou o dia da semana e do mês. Ainda, o dia da semana, o dia do mês e o mês. Ou o dia da semana, do mês, o mês e ano. O dia e o mês. Dia da semana, dia do mês e o ano. Algumas, registram o dia do mês, o mês e a hora à qual se acrescentam de la noche, de la mañana, p.m. Noutras, há uma refirmação da data pelo uso do advérbio hoy acompanhado ou somente da notação do ano ou o dia da semana, dia do mês, o ano. E duas vezes, somente o advérbio hoy: uma vez acompanhado de P M e outra da explicação no sé que dia es ni que fecha.
            Embora haja cartas em que o Poeta use o tratamento Usted e outras, poucas, em que mistura tu e usted, na maioria delas, emprega o pronome de segunda pessoa. Quanto aos vocativos, ainda que não apareçam em todas as cartas eles, na verdade, são inúmeros, muitos e diferentes entre si. Assim, na primeira carta que foi registrada em Pablo Neruda cartas de amor, o vocativo é simplesmente Matilde o que, salvo uma vez, não mais acontecerá. Irá aparecer abreviado (Mat) ou acompanhado de um possessivo (Mati mia?) posto em dúvida pelo sinal de interrogação que o acompanha e que terá resposta no segundo parágrafo, iniciado secamente com o nome próprio Matilde ao qual se seguirão as queixas que dela tem o Poeta. Mas que se diluem ao começar o parágrafo seguinte com a expressão querida. Em outras cartas Matilde será antecedido de expressões díspares: Santa Matilde, Doña Matilde, Estimada Srta Matilde. Três vezes, Neruda antecede o nome de Matilde da palavra Santa. Uma vez sem colocar a data e em dois bilhetes, o dia cinco de maio, aniversário de Matilde que não corresponde ao dia dedicado à Santa Matilde. E não se atendo a alguma qualidade que as pudesse tornar semelhantes porque a seguir a chama de hechisera de bolsillo, sultana del mar, expressões que lhe conferem um poder – o de se fazer amar -  ao qual o adjetivo santa poderia também, ser relacionado. Doña Matilde é, certamente, uma troça ao estabelecer um distanciamento que o Usted, a seguir, reafirma, assim como os verbos na primeira pessoa do plural – na verdade, ele se expressa, soit disant em nome de amigos e de Delia com os quais pretendia passar o Ano Novo em Roma. Ao chamar Matilde Paloma de la Guerra, é possível que a esteja a fazer uma relação, como o observa Dario Oses em nota de rodapé, com a Pomba da Paz que ele havia entregue no II Congresso Mundial da Paz, realizado em Varsóvia. No entanto, o jogo de palavras em Hasta, luego Paloma de la guerra é bem instigante. Porque o advérbio luego, separado do Hasta, pela vírgula que desfaz a expressão hasta luego, parece remeter a uma possível transformação comportamental e emocional, algum estado belicoso de Matilde, levada a viver uma situação ambígua com o Poeta haja visto que sua separação de Delia del Caril não havia, ainda, ocorrido. Trocista, o vocativo Estimada Srta. Matilde, repetido na despedida, a introduzir uma lamentação pelo encontro frustrado. Troça que se intensifica na segunda parte da carta em que, na sequência de epítetos entre o primeiro, alma mía e o último tierra de mi corazón se misturam expressões de exagerado lirismo com outras fantasiosamente infantis.  Mais usados, os vocativos querida mía (inclusive, uma vez, a reafirmar a posse com o uso da vírgula entre as duas expressões e outra vez, servindo-se do pleonasmo mía, mía) e, sobretudo na sua indiscutível síntese, os vocativos amor, mi amor ou amor mío que, também, aparecem no meio da carta (como Patoja mia) e no seu final e, então, reafirmados por um uso pleonástico ou por outros vocativos: vida mía, mi adorada, alma mía, adorada, dulce mia. Alguns vocativos, no entanto, aparecem apenas uma vez: muy adorada mujercita mia, valiente mujercita mia, Mi retaguradia cagoncita, fiera mia, perra mia, Sra.Rosario, doña Rosario, Pat Hoja, Patoja mia, Amor Patoja de mis entretelas, Patoja loca, Cochina Patoja, Patoxita, La Chasca, Mi estimadita, diabla colorada.
            Se nesses vocativos está presente a afirmação do amor em múltiplos diapasões (o lírico, o amoroso, o trocista, o brincalhão) assim acontece, também, nos epíteto, que se espalham pelas cartas. Ou chamando Matilde de la Chasca, Patoja loca, mi Chascuda ou de chilena loca a demonstrar intimidade de amigo numa carta escrita quando ainda estava na companhia de Delia del Carril. Ou, simplesmente corazón. Num bilhete de poucas linhas, sem referência a lugar e sem data, em que o vocativo é Doña Rosario e o remetente, el de Temuco, anuncia a remessa de um manto de Araucanía para la medusa araucana. Amorosamente a chama de sueño mio, adorada mia e, apaixonado enumera amor, adorada mia, sol de este dia, luna de la noche. Uma vez finaliza, brincalhão, com perra furiosa a lembrar do epíteto de outra carta, fiera mia (depois de um desentendimento) e, ainda, o de outra, mi perra. Em duas outras cartas se apraz em enumerações de epítetos. Numa, os antecede do possessivo de segunda pessoa a jogar com o possessivo de primeira pessoa para estabelecer uma ligação absoluta entre Matilde e ele: tu boca es el pan de mi boca, tu corazón es mi corazón, tu cuerpo adorado es mi reino.  Em outra, justapõe simples adjetivos – firme, amada, dulce, valiente, alegre, seria, leal – sendo que o último, abrazada, é completado por um adjunto a exprimir aquele desejo de um amor sem fim, sentimento tão próprio dos amantes, o desejo da eternidade: abrazada por toda la vida a su capitán.
            Como diz Darío Oses, as cartas foram escritas ao correr da pluma, sem nenhum cuidado estilístico. E, assim espontâneo, o tom em que Neruda as escreve e que se mostra em perfeito acorde com o seu jeito de ser: primorosamente amoroso, ainda quando se revela dominado pelo ciúme e pela desconfiança como na carta de 26 de outubro de 1951: [...] estoy cansado de traiciones [...]. He pasado desesperado estos dias, nervioso y colérico [...]. Em outra, sem data, escrita numa quarta-feira, em que inicia com o vocativo amor mío e procura se desculpar por um desendentimento que tiveram, argumentando: No podemos poner en peligro nuestro maravilloso amor e termina mandando Todos los besos, e acrescentando o epíteto fiera mía. Excessão desses raros momentos de desagrado, o tom das cartas é sempre o de um homem apaixonado. Mas, nota, ainda, Darío Oses, que embora sendo grande Poeta, ele incorre nos piores lugares comuns do bolero como na carta de 26 de outubro de 1952: tus lágrimas riegan tu corazón y el mio, te cambian y te enternecen, estamos más juntos que muchos que jamás se separaron, nuestras raíces están amarradas y mojadas con las mismas lágrimas. Piegas, na mensagem de três linhas Te acuerdas?Yo sí. Ay que divino! Pieguice que, também, está presente ao designar Matilde de valiente mujercita mia,  firme, amada, dulce, valiente, alegre, seria, leal, y abrazada por toda la vida a su capitán, tu boca es el pan de mi boca, tu corazón es mi corazón, tu cuerpo adorado es mi reino;  quando se lamenta por alguma atitude  que não está a entender (fué todo esto un nuevo puñal[…] sabrás cuanto puedes herir, solo con la mentira o sin la verdad  );  ou reafirma seus sentimentos (y te doy una vez más mi cuerpo y mi corazón ; Sale alguien a Paris que lleva esta carta con mi corazón para Ud.). Porém, tais expressões, tão amorosamente sentimentais, como igualmente o constata Dario Oses a respeito dessa carta de 26 de outubro de 1952, se minimizam pelo vocativo mi retaguardia cagoncita e pelos desenhos infantis e trocistas que acrescenta. Porque, não é raro misturar, nessas cartas, um tom emocional e terno ao tom brincalhão ou ao linear e prosaico.   O brincalhão se mostra nesse relembrar do momento em que se apaixonou por ela aunque tuviera fiebre.  Só depois, quando eles se encontraram na Romênia é que ele se deu conta de seus sentimentos o quer o leva a rotular-se despectivamente de el muy pelotudo (o muito bobo). Também, ao enviar, da Suécia, um postal para seu cão Donegal cujo nome antecede da expressão Señor além de lhe acrescentar o sobrenome de Matilde e a primeira letra do seu próprio sobrenome: Bonjour, guau, guau, good morning, conserve tes longues oreilles et la couleur de tes cheveaux. S´embrasse e [..] Ou, mencionando-o a gracejar: Fui esta mañana al Museo de Hist.  Natural. Vi muchos animales raros pero ninguno como el Donegal) ou, ainda, ao enviar um cartão postal para Matilde y Donegal cuja graça se intensifica nas perguntas que faz: Qué hace?Riega? Pilheriando, no cartão em que escreve primeiramente, com letras grandes Ojo!  Para afirmar em seguida que a sua amada será chamada, a partir de então de Patoja Pablo Naruda; e quando se despede  dizendo te besa en la trompa  ou La abraza mi camisa, rodeando esse talle adorado retoma, com seriedade, o nome que inventou para Matilde, na apresentação de Los versos del capitán (  Doña Rosario)  y se identificando como el de Temuco; ou ainda usa como vocativo o apelido de Matilde no diminutivo, Patoxita .Numa explicação, feita  objetivamente – No traigo el Canto porque  traía outro libro. No hay espacio en la camioneta,ele a antecede de um texto jovialmente didático que estabelece um castigo para las chasconas porfiadas entre as quais, se presume, está incluída Matilde , determinando,  um prêmio (por bom comportamento, cujo beneficiário seria ele próprio uma vez que a levando a Valpo (Valparaíso)  como promete, a teria em sua companhia. E   na quadrinha ingênua, não isenta de rima rica, completa o perfil da chascona porfiada, no caso mentirosa.  Tampouco, não são desprovidos de  troça carinhosa alguns epítetos como lagrimona, puma roja, cara de mona,Santa Matilde, hechicera de bolsilho, frivolona  que, na carta de 18 de abril de 1953, iniciada cerimoniosamente com um Estimada Srta. Matilde (repetido na despedida)  se justapõem em número de oito: alma mía, sangre de mis venas, sombrero de mi cabeça , cola de mi perro, tesoro de mi alma, punta  de mi nariz, perra adorada, tabaco de mi pipa, tierra de mi corazón como a querer, jocosamente, atenuar as expressões de ciúme: auto-intitular-se seu modesto amigo e acusá-la de mover sua chasca en la calle por não encontrá-la em casa, o que, de modo enfático e exagerado, designa de ingratitud, infâmia, infernal harpia. Ainda, a imagem calientita como una tortilla fesca   numa comparação risonha como risonha é a enumeração de objetos díspares e inventados que lhe manda de presente como o anuncia na carta de de 26 de outubro de 1952 escrita à máquina: 1 Caja china de cartón y seda para guardar y esconder las penas / 1 caballito blanco para que vengas corriendo a mi lado, 1 caracolo de las Islas para que me escuches en tu oreja noche y dia / 1 frasco chino para que me guardes una lágrima, una cajita china para que me guardes una sonrisa / 1 cantarito de porcelana  para que bebas y cantes / un pescadito de Italia para que vayas y vuelvas / y / muchos libros para que nos los leas . Igualmente escrita à máquina, toda com diminutivos (Matildita Nerudita PATOXITA,cartita, maquinita, maridito, DON PABLITO) e  muitos erros de datilografia, aquela em que anuncia ter comprado a magnífica máquina de escrever que elogia ser de PRIMER ORDEN e designa como GANGA,  nos sentidos que lhe dá o Aristos: objeto apreciável adquirido a baixo custo ou usado com o sentido irônico para designar um objeto sem valor ou incomodo.
            Embora trate de um assunto sério, Neruda não se priva de fazer uma brincadeira. Assim, ao mandar a Matilde uma orientação prática – entrega do pacote com originais destinados à Editora Losada para um amigo que irá viajar a Buenos Aires – o bilhete que redige é escrito num tom formal que Darío Oses define como entre o paródico e cúmplice que faz lembrar a inclinação de Neruda para o disfarce: inventa para Matilde (a quem chama de Sra. Rosario) um marido (saludando a su esposo), na verdade, ele mesmo, e um filhinho chamado Nyon que é o nome do cachorro que eles trouxeram da Europa.        .
            Mas, por vezes, é realmente prático e objetivo. Assim, ao tratar do envio de um endereço, de documentos, de recortes, de livros, se referir a um amigo, mencionar itinerários e planos de viagem; anunciar a remessa de flores ou de presentes (te he buscado tiernos regalos, Le compre una linda botella verde y unos pájaros de madera) e de eventuais ajudas financeiras;  planejar os encontros com Matilde que ele tanto almeja e que , nas cartas,  aparecem apenas esboçados. Se por uma vez faz referência ao transporte da bagagem até o porto, à possibilidade de levar animais a bordo, a cambio de moeda, a não ter ainda o visto para entrar no Uruguai  o que  expressa, sobretudo, é a vontade desse encontro, a reafirmação de que ele irá se realizar: El proyecto de reunirnos no encuentra ningun obstáculo, por el contrario va cada dia mejor; yo quiero tenerla en mis brazos el 1 de año como el año pasado. Asi será. Ou, pasaremos untos el 1 del año. Ou, ainda: nuestro proyecto que está seguro. E, persistente, como soi acontecer com amantes que estejam separados, esse desejo, sempre renovado, de estar junto com o ser amado que o Poeta exprime em pequenas frases (me muero por esta contigo; deseo de estar contigo; siento en el alma no poder estar contigo, corazón; Solo tú me faltas, amor; que largos son los días sin ti y las semana. Ou, estendendo-se em expressões,  que podem se mostrar piegas (cuento las horas que me faltan para besar tu bocica adorada.Amor, Amor, me haces mas falta que el aire  y que el mar aqui completas lo más bello del  mundo para mí) ou se aproximar do mundo que aspira num delírio da esperança (No te digo más sino que te extraño, te busco, te encuentro aunque no estes y te beso). E o constante  lamentar da separação (Aunque solo um día o dos que dolor no estar contigo; que largos son los días sin ti  y las semanas; Solo que aqui no tengo cerca de mí lo que más quiero en el mundo, tu boca, tu cuerpo, tus ojos, vida mía.). Ou as lembranças de momentos felizes (Hoy he paseado solo por esta ciudad de pronto vacía, con recuerdos en cada esquina, recuerdos de amor y locura).E, inexorável, o persistir de Matilde no seu pensamento: Un día sin verte pero viéndote; Yo pienso en ti día y noche, noche y día, amor mío, dulce mía […];
            Inserindo-se na expressão amorosa do Poeta, breves referências a fatos do cotidiano: alude a encontros ocasionais com amigos nas suas viagens, a um pesadelo que teve, a um possível tremor de terra durante a sua viagem a Tocopila e ao carinho com que ali foi recebido. Também, sobre a gripe que o acometeu, sobre os exames médicos aos quais teve que se submeter e à preocupação pela saúde de Matilde que o impede de dormir bem, inquirindo como ela passou a noite, se marcou hora com o medido e, refirmando: hago cuanto puedo por tu vida, no me gusta tu estado de ayer. Expressão de cuidado com Matilde que se entremeiam a assuntos referentes à construção da casa nova, anuncia que está a lhe enviar 3 sacos de cemento ou, eventualmente, se limitando apenas ao essencial sem se deter em vocativo, data, despedida ou assinatura como no bilhete em que dá conta de certas diligências relacionadas ao engenheiro e à lareira. Pede que subscrite envelopes, que lhe compre barbante no Mercado, que lhe mande o que precisa para se barbear, os medicamentos que tomava na Itália, menciona seu cão Donegal. Diz que perdeu a caneta. Por vezes, avisa que não passara na sua casa pela manhã, mas à tarde ou que vai lhe mandar o carro ou, ainda, pede que o mande de volta ao meio dia ou pelas dez horas.
            Nos acordos para o uso do carro (mande el coche antes de las 11; mándeme el coche a las 10; devuélvame el auto com Homero; y a qué horas debe salir para mandarle el coche) ou nos recados que lhe manda (Amor, si puedo paso a verte; Amor mio, no puedo pasar a verte; no creo que podré verla en la tarde quedamos en vernos el jueves) evidencia-se a rotina instaurada. Pablo e Matilde já residem na mesma cidade embora não totalmente livres para estar juntos, pois ele ainda não desfizera os laços que o prendiam a Delia del Carril. Consequentemente, usavam de artifícios como vinham fazendo durante as viagens, para poderem se encontrar como aponta essa breve informação que fala da Playa Salinas e da casita colorada sobre roca que, segundo Dario Oses parece sinalizar um possível encontro sempre desejado. Porque a falta que lhe fazia Matilde, confessada logo na primeira carta de 21 de dezembro de 1950 não diminuiu ao longo do tempo. Cinco anos depois escreverá: que largos son los dias sin ti y las semanas! E assim como confessa que a leva consigo en la mitad del pecho para onde quer que va – yo pienso en tí dia y noche, noche y dia, amor mío, dulce mía, y no sé si    te quiero pero te quiero – também se mostra inseguro porque ao dizer te espero é levado a pedir uma reciprocidade, espérame que a expressão nos seas perra que a antecede parece demonstrar uma dúvida.
            Ao finalizar suas cartas, por vezes, Neruda não se despede e nem assina.  Ou se limita à palavra Siempre ou à expressão, hasta luego, simplesmente, ou seguida de Mil besos ou do adjetivo adorada; ou envia um rayo verde de todos los cielos ou pergunta cómo estás de fondo y forma? Na sua grande maioria, porém, as despedidas se constituem declarações de amor: Te aprieto a mi corazón amor mío, com cuerpo, alma y amor; Por último quiero decirle que la amo; Te quiere; Te quiero, amor; Te amo; La quiero con sol, de noche y de dia, a toda hora. Amor mío.  E a longa expansão amorosa eres para mi, el centro de todas las cosas, de tu chasca sale el sol, tu boca es el pan de mi boca, tu corazón es mi corazón, tu cuerpo adorado es mi reino talvez tenha sido imprescindível no difícil momento que viviam com a ameaça de não se concretizar a gravidez de Matilde o que já ocorrera antes. Também estão presentes os lamentos pela separação em que vivem. Neruda se refere ao tempo perdido, aquele em que não estiveram juntos, vislumbra uma esperança: viver sim sobresaltos. Ou deseja-lhe a presença (te extraño, te busco, te encuentro aunque no estes). Reafirma sua posse (Eres mía) e em cada carta, a sua entrega ao escrever, quase sempre no final,  os possessivos su suyo, tu tuyo, Es tuyo, siempre tu Capitán.
            E manda beijos nessas despedidas embora possa acontecer o envio de beijos no meio da carta (acumularé todo el dia besos para tu cuerpo que es interminable para mi, aunque la vida me la pasaré besandolo no lo terminaré de besar ou te besa por todas partes empezando por la planta de tus pies y terminando en el último pelo de tu pelo de puma [esta palabra puma aparece riscada] ou no início e no fim como na que escreve no dia em que faz cinquenta anos (Amor mío, mi pimer beso [...] y todos los besos que caben em tu boca postal y en tu corazón que tiranizo) Neruda manda beijos ao se despedir. Muitas vezes, simplesmente enviando besos, Besos de Coihueco; muchos besos y “todo el amor”; mil besos; besos y otros mil; felicidades y besos; todos los besos.Ou apenas escreve num postal, enviado da Argentina, Besos e no postal seguinte, das ruínas de Machu Pichu, Más besos. Ou, usando o verbo com os pronomes de segunda pessoa (te beso, te besa) ou de terceira pessoa:  La besa a Usd en la trompa; la besa por todas partes; te besa estimada Srta.Matilde. Ou se mostra trocista, La beso y sigo mi oda ou faz referência ao cabelo, à boca, ao coração, ao corpo de Matilde, Todo eso [...] lo recuerdo y lo beso ou a seus olhos sus ojos que beso. Seja acompanhado de um vocativo amoroso ou reafirmando a posse (Amor mio te beso muchas veces; Eres mia y te beso) expressa, também, na simbiose que ele determina: besos para mi boca (que está em tu cara). Ou dando razão para o beijo Te besa por todo ese tiempo perdido; para darte el beso que te mereces valiente mujercita mía ou, seu dizer amoroso mais ardente, completando essa ação de beijar com um objeto direto ou com advérbios de modo Te beso de arriba a bajo; te beso toda la carne, los huesos y el alma; el beso mas largo, mas dulce, el que se quede en tu boca para toda la vida). Exceções, aquele beijo que ele manda num momento de ciúme (Um beso, pero en la frente de quién quiere deveras defender tu amor) e o que determina que sejam todos todos los besos que siempre vão contigo. ainda, a brincar, especificando tamanhos e cores: cajón de besos surtido grandes y chicos, colorados, verdes color de cata etc. Por uma vez, desejando um beijo de Matilde, quando lhe escreve numa de suas viagens e, possivelmente de um país onde havia neve, pois diz que daria toda la nieve por uno solo de sus besos, pero de los que Ud. Sabe, no de los duros. Outras vezes, contando as horas para besar tu bocica adorada ou, anunciando beijos: apenas duerma [ao voltar de uma viagem difícil] vuelo a besarte.E, presumindo um dia difícil, ainda assim, promete: alcanzaré a darle um beso. Ou, ainda: esta no es uma carta sino um beso. Te lo doy a través de la tierra y seguiré besándote através del mar. E, cheio de lirismo os define: Te mando mas besos que la lluvia que cae y pronto te los daré con mi propia boca.
            Cartas há sem vocativo e sem assinatura. A não ser duas vezes – nas poucas linhas que acompanham uma for que lhe envia onde assina Neruda e numa carta em que simula estar a dirigir-se a uma pessoa estranha, quando assina Pablo Neruda, ele não coloca o seu nome no fim da carta, identificando-se de várias maneiras. Excepcionalmente o faz uma vez num postal escrito no trem transiberiano quando, junto a seu nome, consta está escritoormiga Hormiga, o apelido de Delia del Carril. Nas demais, apenas uma vez escreve Pablo (uma vez antecedido do adverbio siempre) e tu Pablo duas vezes; ou a inicial de seu nome ou a inicial de seu nome antecedido do possessivo tu e do possessivo su. Adjetivos estes, usados, com frequência a anteceder, pleonasticamente, o pronome tuyo e suyo numa reafirmação de entrega: tu tuyo, su suyo pois não poucas vezes usa apenas Tu ou Suyo (uma vez com a variante suyo su admirador ou su Pablito). Ou, acoplados ao termo capitán, (remetendo ao título do seu, então, livro secreto) com que assina uma das cartas e também capitano (lembrando a Itália onde o livro foi publicado pela primeira vez). Assim tu capitán, Tuyo Tu capitán. Su Capitán, Su capitano, Su cane di Capri. Exceções, quando assina apenas Capitán, Don Pablito, tu Bimbo, el de Temuco,  el  ciego de los versitos.
            As declarações de amor estão presentes ou no início ou no meio ou no final das cartas e, em muitas, se repetem. Simplesmente te quiero, te amo, la amo que, por vezes, são insuficientes para expressar tudo o que sente: ciúmes, necessidade de reafirmar posse e entrega, insegurança que o leva a defesa do amor que sente e que define.
            Na primeira carta que faz parte da compilação Cartas de amor, datada de 21 de dezembro de 1950, as primeiras linhas são de reproche pelo que Matilde havia escrito e que à seguir, no caso em que ela aceite sua sugestão de viajar  a Paris,  a sua presença   o livraria da raiva que sente. E conclui: En verdad te necesito. Já no mês de outubro, presumivelmente, como indica Dario Oses, do ano de 1951, é dominado por uma incontrolável crise de ciúme que o leva, inclusive a pensar em pedir a Ivette (uma amiga fiel?) que viaje a Paris para averiguar tudo  que o intriga a respeito de Matilde. Três dias depois, insiste (Te lo ruego que lo hagas) para que ela escreva contando de sua viagem, dos seus companheiros de viagem, do hotel em que ficaram na Suissa. Mas, termina a carta, carinhosamente e repetindo que a espera. E, dois dias depois, novas perguntas e acusação (Matilde fue todo eso um nuevo puñal) às quais se junta a inquietação sobre os rumores de sua viagem com os amigos mexicanos. Outra vez, a disposição, confessando que junta toda a força necessária de “conservá-la”. Continua a insistir no quanto ela pode feri-lo com mentira ou com a falta de verdade. Porém, reafirma que o plano de encontro que planejam não sofre obstáculo. Mas, ainda pergunta: E nosotros? E, assim como, numa carta, diz te espero é levado a pedir reciprocidade, espérame que a expressão no seas perra que a antecede aponta para uma possível dúvida. Insegurança quer o leva a reafirmar posse e entrega. Seja brincando: mi amada desde ahora será llamada Patoja Pablo Neruda, seja afirmando ser o seu dono: Ahora ya te he arado entera, te he sembrado entera, te he abierto y cerrado, ahora eres mia. Para siempre. Porém, se submetendo, igualmente, à entrega – se que eres mía y que soy tuyo – sentimento que o leva ao nós. Assim é que, então, irá definir esse amor a partir do possessivo de primeira pessoa plural: nuestro maravilloso  amor; lo importante es nuestro tesoro, nuestro amor; firme y profundo, el amor, tuyo y mío, lo nuestro; nuestro amor es como estos días de mar: limpios y claros solo para ser felices; Hay algo más importante que tú y que yo, somos tu y yo. Juntos somos lo que la pobre gente no alcanza jamás, el cielo en la tierra. Não se  negando, então, a enfrentar as agruras da vida, enfermarnos juntos, sudar juntos y revivir juntos para querernossolo por querernos toda la vida. Não, porém, poupados da mágoa de não lhes ser permitido viverem juntos, é levado a proclamar: defenderemos nuestro amor toda la vida; lo defenderemos pero no por dias sino por la vida. Ya verás; mi vida le escogí yo y la escogí para ti también. E, se tem  certezas – vas hacia mi.Adonde vayas, Andes, vueles, corres, vas andando, volando, corriendo hacia mí. -  igualmente  se lamentanta: Cuando viveremos sin sobresalto? Interrogação a exprimir um desejo ao qual ele acrescenta serem esses sobressaltos que tornam maiores as raízes do amor que os une. Como todo enamorado, tem sempre o pensamento cativo na figura amada, abstraindo de tudo o mais, porque ela é o centro de todas as coisas e não duvida que o amor que dela recebe vai durar a vida inteira.
            Muitos assuntos das cartas da fase que Dario Oses chama de “La época del amor secreto” estão presentes naquela que, também no dizer de Dario Oses, se agrupa sob a rubrica “Cuando el amor ya no se oculta”. A eles se acrescentam aqueles que o convívio da vida compartilhada propicia. Assim, nas cartas desta fase, há o anúncio de presentes (na verdade, poucos, apenas uma flor no seu aniversário, batatas de tulipas, muchas cosas), a narração de um sonho, onde passeou nas cidades europeias durante suas viagens, os amigos que, então encontra, notícias de sua saúde, já agora, com detalhes mais íntimos que a vida de casal autoriza como  se referir a estar usando a última camisa limpa e a detalhes de sua higiene pessoal e a alguma medicação, a menção ao clima, aos aplausos que recebeu quando da cerimônia em que foi homenageado o poeta Mickiewicz, em Varsóvia. Ao escrever-lhe de Isla Negra, muitas são as referências a fatos do cotidiano: cachorros, eventuais convidados. E, observações um tanto ácidas sobre alguns amigos que revelam, nessa correspondência, uma faceta desconhecida do Poeta. Quanto ao mais, nada de excepcional como ele próprio reconhece na carta de 22 de novembro de 1955: No me dirá, mi amor, que no la he tenido informada de mis pequenas cosas que son casi siempre las mas importantes. E que não se mostram muito além do seu reduzido universo. Daí não ter conseguido Dario Oses identificar muitos dos personagens ou situações mencionadas e suas notas se reduzirem às poucas informações que lhe foi possível obter. Assim, o nome da nova casa que pensavam construir, sobre a sua casa na França e a empresa encarregada de vendê-la, alguns amigos, a Feira realizada em Valparaíso que expôs objetos que lhe pertenciam. Interessante, a nota que esclarece uma expressão usada por Neruda que estava escrevendo suas memórias: o P. de que fala se refere ao Partido Comunista Chileno.
            Tendo em vista que a maior parte destas cartas foi escrita em casa, o papel foi aquele encabeçado pelo logotipo de Neruda. Com o timbre de Isla Negra, apenas uma carta. Em papel comum, uma ou outra carta. Postada de Amsterdam, aquela escrita num aerograma e outra, em papel timbrado do Palace Hôtel de Bruxelas. Num envelope a ele endereçado, escreveu uma frase apenas e duas frases num pequeno papel marrom. E três postais enviados da Rússia, com imagem da Rússia, de Amsterdam, de Londres (ambas as fotos são de torres com relógio) e do Rio de Janeiro com imagem da Holanda.
            Em 1955, Neruda viaja a Europa para ser jurado do Prêmio Stalin da Paz, estar presente no Consejo Mundial de la Paz na Filândia e nas comemorações do Centenário da morte do poeta Adam Mickiewicz na Polônia. Escreve para Matilde uma carta de Amsterdam, um postal, voando para Bruxelas e uma carta de Bruxelas, duas de Varsóvia, outra de Berlin e um postal da Rússia em que diz que logo avisará quando estiver de volta. Pela correspondência, se tratou de uma curta estadia, pois a primeira carta data de 25 de novembro e a última mensagem, de 7 de dezembro. Segundo Darío Oses, provavelmente de 1956, ano em que Neruda esteve no Brasil, o postal escrito durante o vôo para o Rio de Janeiro, curiosamente com imagem da Holanda. De 1966, apenas três mensagens.Escrita de Isla Negra em 4 de abril, quando Matilde viajara a Buenos Aires, uma carta longa e datilografada. Também de abril deste ano, do dia 30, um bilhete escrito numa taberna solos com Campari y océano. O solos se refere a Manuel, provável amigo ou conhecido, não identificado por Darío Oses, que o acompanhava e que também, no bilhete, escreve umas palavras. Uma semana depois, no dia 7 de maio escreve umas linhas, dizendo que não recebera nem notícias dela nem de Alvarez quem tampouco foi identificado por Darío Oses. E será apenas quase um ano depois, no dia 3 de maio, que Neruda vai enviar um bilhete para Matilde cumprimentando pelo onomástico e mandando uma flor. A maioria das cartas data de 1973 e são aquelas enviadas quando Matilde quando viajou a Europa no intuito de vender a casa que haviam comprado na França. Nelas, ou não aparecem referências ao lugar de onde estão a ser escritas, que os dizeres não deixam dúvida tratar-se de Isla Negra ou Isla Negra é, efetivamente, mencionada:  uma vez, com todas as letras em caixa alta e outras três vezes, com o nome escrito por inteiro. E, ainda, cinco vezes, usando apenas as iniciais e duma feita, a inicial da primeira palavra e a segunda palavra por inteiro e, ainda, cinco vezes, usando apenas as iniciais. Uma vez, a inicial da primeira palavra e a segunda palavra por inteiro.
            Neste ano de 1973, Neruda já se encontrava enfermo. No entanto, ainda que, eventualmente, acometido de novos achaques e, pelo que consta em uma de suas cartas, acamado, a escrita de Neruda, nestas cartas, se apresenta, quase sempre, na horizontal, indicando um estado de estado de espírito isento de pessimismo como seria o esperado.  O que, sincero ou não, é reafirmado pelas suas palavras ao ser atacado por uma nova infecção que, segundo a pessoa que o estava cuidando, estava a melhorar, ele filosofa: Pero no se alarme. A la lista de plagas una mas no importa.  Por vezes, sua escrita se mostra levemente inclinada para a direita. Uma única vez, escreve nos dois lados da folha. Em contrapartida, muitas vezes, usa as margens. Numa das cartas, escrita em duas folhas, na primeira delas, um pouco ascendente e na segunda, na horizontal. Na sua margem superior, e escrita ao contrário, a informação de que é bem cuidado pela pessoa que o atende. Também, uma única vez, se permitiu escrever nos dois lados da folha. Às vezes, escreve acima do logotipo e ao contrário dizendo sobre o modo como estava sendo bem tratado e assinando no canto inferior direito, na vertical. Tais acréscimos se relacionam a pedidos ou a informações sobre o carro ou neles seguem recados para alguém.  Ou se despede. Uma vez, no lugar de seu nome desenha um minúsculo cão. Seis pequenos desenhos ele coloca na margem da carta datilografada. Somente uma vez, nas últimas duas linhas da carta de 18 de abril, usa outra cor de tinta o que se constitui uma exceção pois sempre usa tinta verde.
            Como é de seu costume, Pablo Neruda continua a registrar a data em que escreve de maneira bastante diversa. Numa das cartas de 1955, menciona o nome da cidade, o dia do mês abreviado e o ano, também abreviado. Noutra, apenas o nome do mês abreviado e o dia. Numa terceira, a data completa sem a menção da cidade e na carta que segue o nome da cidade, o dia do mês. E de Berlim, escreve o nome da cidade, o dia do mês, o nome do mês abreviado e o ano. Na carta de 1966, excepcionalmente, anota a data apenas em números: 4-4-1966. Em dois bilhetes, acrescenta o advérbio e o dia da semana: hoy 30 e domingo 7. Nos dois casos, completa a informação na linha seguinte. O maior número de cartas do período em que o Poeta e sua mulher já moravam na mesma casa é do ano de 1973: as que foram enviadas a Matilde quando ela viajou para vender a casa em Paris. Em cinco delas, não consta o ano. Inclusive a última delas que se refere à volta de Matilde, diz apenas, hoy sábado. Nas outras, Neruda escreve dia, mês e ano, mas cada vez numa disposição diferente: em abril, numa delas; Isla Negra  e na linha de baixo, 16 de abril 73; dois dias depois, inicia a data com o ano abreviado, 73, seguido de Isla Negra e na linha seguinte, 18 ab. Em maio, escreve 73, embaixo de I.N. [Isla Negra abreviado], seguido de 7 de Mayo; no dia seguinte, escreve 8 de Mayo, seguido, depois de uma vírgula, de 1973 e após um ponto as iniciais de Isla Negra. Já no dia 11, começa com I.Negra, na linha seguinte Sábado 11 de Mayo e na outra linha, 1973. Finalmente, uma exceção: quando coloca o ano e na linha seguinte, viernes santo.
            Todas estas cartas usam usted como pronome de tratamento. Quanto ao vocativo, em três cartas eles não existem e nas demais se resumem a três: Amor e amor mio, Mi perra e Patoja, com suas variantes: mi perra, perra mia, perra rica, mi perrona, sin perra, mi perrísima, Perríssima mia, Pat Hoja, adorada perrotilla, patoja mia, mi Patoja, mi Patojera, Patojita mia, Patojuna, Patojona, Mi Patojona, mi patojenta, Patojilla, Mi Patojina. E Mi Patoja adorada que aparece, também no fim de uma das cartas cujo vocativo foi Amor. No corpo da carta, antecedendo a promessa de que não mais irão se separar, os epítetos: mujercita mia, fiera humana.
            Quanto ao assunto, nas cartas que enviou da Europa, Neruda conta o que fez em Amsterdam, em Bruxelas e o que lhe parece importante: seu cotidiano, como dormir a sesta, relatar o sonho que teve, anunciar que vestiu a última camisa limpa, tomar chá, ter estado com um amigo cujo cão era igual a Donegal, ir às festas programadas, suas andanças por Berlin, os trajetos que faz, com quem irá viajar, onde se hospeda e o que vê da janela do hotel, sobre o livro de Volodia que acabara de ser publicado. Por vezes, insere algumas linhas descritivas sobre o tempo: nieve por todas partes, Hace un cielo Blanco, casi frio, um dia velado y triste ou hay mucho sol y hace frio en la calle. Também, o que lhe é habitual, solicitar coisas como na carta em que pede a Matilde que mande uns exames médicos para a Unión des Ecrivains de Moscou. Ou, anuncia ter comprado batatas de tulipa para o jardim. E o pouco dinheiro gasto.
            Já nas cartas de 1973, escritas em casa enquanto Matilde viajava para a França, os assuntos das cartas são bem mais prosaicos e por vezes mais do que terra à terra ao dar detalhes bastante íntimos sobre a sua doença e as novas complicações que vão aparecendo, que passou o dia na cama, que é medicado e atendido en todo por uma pessoa de nome Margarita que segundo diz es muy buena (me lava y me polmadea; me lava y me cuida). Ou que recebeu visitas para almoçar. Triviais, as bisbilhotices sobre gente conhecida, os problemas com o carro e, eventualmente, com a casa, as dificuldades com os empregados, sua menção a dinheiro ou à falta dele. Como faz sempre, o pedido de coisas como fumo, mucho tabaco e o que precisa para limpar o cachimbo, remédios, carrancas, cachorros. Insistentemente, Por ningún motivo deje de comprar la mesa de plástico y las sillas.
            O que, realmente, mudou nessas cartas onde prevalecem os assuntos cotidianos, foi o tom em que foram escritas. Por vezes descritivo, por vezes narrativo, uma ou outra vez lamurioso ao se queixar de solidão – nunca he estado más solo. E, embora enfermo, a recaída que o impede de ir a Buenos Aires para receber Matilde quando volta da Europa, não parece preocupá-lo porque aconselha: No se amargue por esto, todo va bien y esto pasará. E a não ser por um jogo de palavras em carta de 1966, mi vida se había hecho mendicante por falta no de talones, sino de talonários e uma referência alegre aos “recados” para Matilde, que, no seu dizer, Catas, tórtolas, diamantes, y canários sin excluir la Panda le mandan trinos, zumbidos y pelos (de la Panda), não mais aparecem nessas cartas da fase “ Cuando el amor ya no se oculta”, as brincadeiras que fazia nas anteriores. Em contrapartida, nelas se fazem presente a ironia, o sarcasmo, a crítica.
            Refere-se a um discurso que deveria fazer sobre Praga, como discursito indicando com esse diminutivo apouca importância que lhe estava dando. Aos norte-americanos que o convidaram a participar no Congresso do Pen Club em Nova Iorque, oferecendo-lhe duas passagens, ele chama de buenos gringos, expressão que, certamente, estava bem longe de ser cordial.
             Três vezes se refere, como se tivesse contas a ajustar, depreciativamente ao assim digamos, amigo Homero Arce que o estava ajudando na redação de suas memórias. Porque não quis ir uma noite, desculpando-se por falta de transporte, quando Neruda estava disposto a escrever e, então, o chama de mañoso (aquele que tem manias); outra vez, duvida de sua palavra (que sabia dirigir porque havia aprendido de criança), assertiva que leva Neruda a concluir: no tengo porque no creer a una persona con antecedentes oficiales tan correctosE, ainda, uma terceira vez, inamistoso  escreve: Homero me causa preocupaciones por su manera de andar: descubri que se hace el cojo, y por ese camino no se puede llegar muy lejos, sino a la cojera. Quanto às críticas, não se priva de fazê-las a pessoas que lhe estão bem próximas. De Baltasar Castro, seu amigo de muitos anos e que, inclusive, como lembra Dario Oses, na condição de Presidente da Câmara dos Deputados, fizera gestões para apoiar-lhe a candidatura ao Prêmio Nobel, comenta que ele deseja ir a Estocolmo e opina: es el colmo (é o cúmulo). De sua irmã diz: Laura es un fantasma tuerto, la pobre; de Margarita Aguirre, amiga e comadre, opina que, na sua carta, manda novidades que parecem velhas; de uma amiga que vai almoçar na sua casa observa que Ella con los labios blancos parecia uma negra. A cada momento decía chucha como un Matta cualquiera. De Miguel Angel Asturias, que ao receber o Prêmio Lenin disse ter ficado muito honrado e que depois protestou por la sentencia de los jurados diz que tal atitude pareceria de mal gusto. Se a crítica aprece minimizada pelo uso do condicional, a amplia ao acrescentar Pero adivino que la estratégia de Blanquita [a mulher de Miguel Angel Asturias] es hacer ese movimiento envolvente para sacarse tambien el outro premio. Assertivas que exprimem uma perversidade ao que tudo indica injustificada pois as atitudes de Asturias não parecem lhe aportar nenhum prejuízo e que se mostra estranha se relembradas as palavras de Neruda ao evocar, nas suas memórias (Confieso que he vivido, 1974, p. 220) os dias que passou na Guatemala quando ele e Miguel Antel Asturias estiveram juntos por uma semana: Comprendimos que habíamos nacido hermanos y casi ningún dia nos separamos. (NERUDA, 1974, p. 220). Amizade que será posta à prova quando o escritor guatemalteco, em missão diplomática na Argentina onde Neruda chegara, vindo do Chile, lhe cede o próprio passaporte para que Neruda possa burlar a perseguição de que era vítima e viajar para Paris o que dificilmente poderia ser feito em condições normais pois estava sendo (NERUDA,1974, p. 260) procurado pela polícia de seu país. Sobre o filho de Alberto e Olga Mántaras que lhe emprestaram a casa no litoral uruguaio para passar um fim de ano com Matilde, comenta que ele apareceu sem avisar para o almoço e tan sombrio como antes y con la chica que está mejor, mas gorditra y compensa la estolidez [a parvoíce] del ex-presidiario. De fato, Rafael Mántaras fora detido, acusado de vinculação com os tupamaros segundo nota explicativa de Dario Oses que também se refere à carta que Neruda teria escrito ao casal amigo, não apenas convidando-os para passar o Ano Novo juntos como se oferecendo: Si piensan que en algo puedo ayudar piensa que haré lo que me pidan.  E se permite, ainda, dizer de suas empregadas: Su delirio es retratarse. Hoy vino un fotógrafo especial, de el Tabo, a retratarlas. Por suerte la máquina no retrata sus exalaciones. E, exceção, o emprego da palavra mierda para mostrar descontentamento face à falta de cartas de Matilde.
            Por uma vez, nessa correspondência, Neruda não se despede. Numas poucas linhas escritas a bordo do avião que o levava a Bruxelas, diz que está bem, acabara de tomar chá, que perdeu o chale (nuestro chal) e termina perguntando Y ud? Nas demais cartas as despedidas  enviam beijos: mil besos, besos mil, Besos y besos y besos, Besos de su cane, Todos los besos de su cane, Todos los besos de Su Suyo, Todos los besos de su P., Un gran beso. Ou acrescenta reafirmações de amor: Muchos besos y todo mi corazón; Hasta pronto mi Patoja adorada, cuídese y cuídeme; Le mando millones de besos y algo mas; Esto es todo, agregándole sólo los besos que se merece mi adorada Patoja; Todo menos el dolor de no tenerla en mis brazos y besarla con tanto amor que nadie puede disputarle; La quiero y la beso; Le antecipo algunos besos para Ud. y para los canes; Todos los besos para su boca, todo mi amor para mi adorada perrotita. Por vezes, as expressões de amor são breves: para Ud mi corazón entero;La ama; Perrotita, hasta luego; Hasta luego mi amor; La espero y la quiere.
            Quatro cartas, Neruda não assina. Numa delas, desenha um pequeno cão o que está em sintonia com a assinatura da maior parte dessas cartas: quatro vezes escreve su caneUma vez su can, outras vezes Su Perro Cane, Su perro can. Também, Su perro, su perro e su P [acrescentando] (de Pablo y de Perro).Ou,  y solo suyo. Nas demais, apenas P. (também antecedido do possessivo su ou do possessivo reafirmado pelo adverbio su suyo P.) Verdadeira exceção, a mensagem de duas linhas em que assina seu nome completo: Pablo Neruda. E, assim esconder seu nome poderia ter sido considerado, nas cartas pertencentes à primeira fase, uma ingênua tentativa de nelas não revelar o nome do verdadeiro autor das cartas. Nesta segunda fase, porém, tal cuidado não seria mais necessário uma vez que já estava casado com Matilde. Eludir o seu nome, assinando a meias, teria, então, um outro significado?
            Ao viajar, na década de cinquenta, Neruda lamentou que Matilde não estivesse com ele quando assistiu ao balé Romeu e Julieta em Varsóvia ou quando passeou pela cidade velha de Bruxelas, considerando ser desleal ver, sozinho, a sua beleza. Então, afirma e reafirma que la próxima vez vendremos juntos; nunca nos separaremos; ya no volveremos a separarnos. Referíndo-se a algum assunto de seu interesse diz que tudo será resolvido menos el dolor de no tenerla en mis brazos. E promete: espéreme que haremos el mas lindo viaje bien apretados los dos. Essa falta que Matilde lhe faz, ele irá, também, expressar quando lhe escreve de Isla Negra. Ao mencionar que dez canários estão no quarto, acrescenta que lhe falta o canário de Coihueco, isto é, Matilde cantora. Porém, a não ser dizer-lhe que figura en el sitio central de mi geografia, na carta em que reconhece serem as notícias que lhe conta de poca extensión geográfica, as declarações de amor irão se limitar a brevíssimas expressões. Ou acrescenta reafirmações de amor: Muchos besos y todo mi corazón; Hasta pronto mi Patoja adorada, cuídese y cuídeme; Le mando millones de besos y algo mas; Esto es todo, agregándole sólo los besos que se merece mi adorada Patoja; Todo menos el dolor de no tenerla en mis brazos y besarla con tanto amor que nadie puede disputarle; La quiero y la beso; Le antecipo algunos besos para Ud. y para los canes; Todos los besos para su boca, todo mi amor para mi adorada perrotita. Por vezes, as expressões de amor são breves: para Ud mi corazón entero; La ama; Perrotita, hasta luego; Hasta luego mi amor; La espero y la quiere.

CONCLUSÃO
            A epistolografia de Pablo Neruda é muito vasta e dela fazem parte as cartas de amor que foram salvas porque é muito provável que algumas tenham sido perdidas e outras ainda permaneçam desconhecidas. Como companheira e musa maior de sua poesia, Matilde Urrutia é destinatária das expressões de um grande poeta mas, também, depositária de informações sobre itinerários percorridos, situações vividas que revelam idiossincrasias expressas na espontaneidade de uma primeira pessoa que se dirige àquela a quem sentimentalmente está ligado.
            Jorge Edwards no Prólogo ao livro de Abraham Quesada Vergara, Correspondencia entre Pablo Neruda y Jorge Edward diz que o Poeta era um corresponsal chistoso, chispeante, bromista (QUESADA VERGARA, 2012, p.13). Facetas que não estão ausentes nas suas cartas de amor para Matilde Urrutia como, também, se constitui algo de comum na sua correspondência o habitual uso de apelidos. E, como já o fizera Stendhal nas cartas que escrevia, colmadas de brincadeiras e invenções de nomes e, no entanto, circunspectas em relação a determinadas pessoas, assim, também, dependendo do destinatário escreve Neruda. Que sirva de exemplo a carta que escreveu a Don Carlos Ibañez del Campo,então Presidente do Chile, reivindicando seu direito de eleitor, anulado ao ser promulgada a lei que declarava proscrito o Partido Comunista do Chile e impedia seus militantes de votar (NERUDA,1978, P. 341). Ou aquelas que escreveu ao poeta equatoriano Jorge Carrera de Andrade nas quais, no entanto, não resistiu à tentação, como sempre soia ocorrer na sua correspondência para Matilde, de encomendar coisas. No caso, como o poeta equatoriano estivesse nos Estados Unidos, onde, segundo Neruda, havia lojas de caracóis, pediu-lhe dois exemplares famosos, o Tridacna Squamosa e o Argonauta Argo para a sua coleção (QUESADA VERGARA, 2012, p.51).
            Estas cartas para Jorge Carrera Andrade se apresentam segundo os modelos usuais, com data, vocativo, despedida e assinatura com o seu nome completo. Não as que escreveu, para Jorge Edwards em que, muitas vezes, inventa-lhe apelidos, (um deles, Pedwards, usado quando está, por alguma razão, descontente com ele). Igualmente, em relação às datas, omite alguma vez, o ano. Também, o lugar de onde escreve, talvez porque isso fosse evidente ou porque, ao usar o papel timbrado de Isla Negra acreditasse ser desnecessário mencioná-lo.
            O presente estudo das cartas de amor de Pablo Neruda a Matilde Urrutia se constitui, sobretudo, um trabalho descritivo que se detém no papel em que as cartas foram escritas, nos detalhes quando à letra e sua disposição na folha, nos elementos usuais da missiva como data, vocativo, assunto, assinatura, mas, também, nos sentimentos que foram expressos no intuito de tentar compreender a idiossincrasia do homem que as escreveu. Pablo Neruda não brincava com seu nome próprio [...] diz Jorge Edwards (QUEZADA VERGARA, 2007, p. 14). No entanto, nessas cartas de amor para Matilde foi sempre o que ele fez assinando-as de muito diversas maneiras e, apenas, uma vez no dia COMPLAR Pablo Neruda.
            Muitas outras cartas de amor e para outras destinatárias o Poeta escreveu. Albertina Azócar, um grande amor de sua juventude, recebeu dele mais de cem cartas (LOYOLA, 2014 p.79). Tereza Vásquez destruiu as cartas recebidas depois de tê-las transcrito, permitindo, assim que fossem publicadas como as de Albertina Azócar nas Obras completas, V, organizadas por Hernán Loyola. Para Delia del Carril, durante o tempo em que com ela viveu também escreveu muitas cartas. Já separada do Poeta, ela as emprestou para um amigo e, até 1997 elas não haviam sido recuperadas. (SAEZ, Fernando, 1997, p.210). Escrita em diferentes momentos de sua vida, abrangendo juventude, maturidade e últimos anos, essas cartas de amor se abordadas sob um prisma comparativo, poderiam talvez, ser reveladoras de um algo mais desse universo amoroso do Poeta que ainda intriga ao permanecer protegido nos seus mistérios.  Um estudo que poderia resultar instigante, pois, se algum mistério chegasse a ser revelado, outros tantos, certamente surgiriam em meio aos muitos segredos. Segredos que, presume-se, os amorosos nunca irão permitir que se desvendem.

Referências bibliográficas.
LOYOLA, Hernán. Obras completas de Pablo Neruda. V.5. Barcelona, Galaxia Gutemberg, 1999-2002
________. El joven Neruda, Santiago de Chile, Penguin House Grupo Editorial, 2014.

NERUDA, Pablo. Cartas de amor. Edición, introducción y notas de Darío Oses. Barcelona, Seix Barral, 2010    
________. Confieso que he vivido, Barcelona, Seix Barral, 1974
Para nacer he nacido. Barcelona, Seix Barral, 1978

QUEZADA VERGARA, Abraham. Correspondencia entre Pablo Neruda y Jorge Edwards. Santiago de Chile, Alfaguara, 2007
____________________. Pablo Neruda y Jorge Carrera Andrade, Quito-Ecuador, Libresa, 2012

SAEZ, Fernando. Todo debe ser demasiado. Biografia de  Delia del Carril. La Hormiga. Providencia. Chile, Sudamericana, 1997

Cecilia Zokner in Scripta Uniandrade, Curitiba, Vol.13, n.1 (2015)