Tendría mucho que decirte pero
inútiles son las palabras.
Pablo
Neruda
Resumo
Estudo da correspondência do Poeta
chileno Pablo Neruda para sua mulher Matilde Urrutia, escrita no período de
1950 a 1973, compreendendo duas séries chamadas pelo compilador das cartas de “A
época do amor secreto” (1950-1955) e “Quando o amor já não se oculta”
(1955-1973). A aproximação descritiva se ateve aos pormenores de apresentação
como tipo do papel e modo de escrita e nos elementos intrínsecos dos conteúdos,
nos detalhes formais (tratamento, vocativo, data, assinatura) e nos assuntos
nos quais se entremeiam questões práticas do cotidiano e projetos de futuro. E,
sobretudo, as expressões do amor não isentas de ciúme, tampouco das certezas
tão próprias dos apaixonados.
Palavras
chaves
Carta, amor, segredo, poeta.
The Poet´s
love letters
Abstract
A study of the letters
exchanged between the Chilean Poet Pablo Neruda and his wife Matilde Urrutia,
from 1950 to 1973, encompassing the two series arranged under the headings
“Time of secret love” (1950-1955) and “When love no longer hides” (1955-1973).
The descriptive part focuses on details of presentation ─ such as type of paper
and modes of writing ─ on intrinsic elements of content, on formal details
(treatment, addressing, date, signature) as well as on subject matter.
Intermingled in the letters are everyday practical matters and projects for the
future, and, mainly, love endearments not entirely free from touches of
jealousy, or which express the many certainties of lovers.
Keywords
Letters, Love, Secret, Poet.
Em
2010 a Editorial Seix Barral de Barcelona publicou Pablo Neruda Cartas de
amor. Uma edição de duzentas e cinquenta e nove páginas, impressa em
papel ecológico com Introdução e notas de Dario Oses. Na breve Introdução, ele
apresenta Matilde Urrutia e numas poucas palavras se detém no primeiro encontro
dela com Neruda sob o signo da música, em Santiago e nos que se lhe seguiram.
Presença/ausência nos muitos itinerários, justificando as cartas e os bilhetes
e que norteia uma correspondência iniciada em fins de 1950 prolongada até 1973,
cuja constante foi a renovada declaração de amor. Sobre essa correspondência –
conservada por Matilde Urrutia e hoje, parte do Archivo de la Fundación Pablo
Neruda – se refere, brevemente, aos assuntos das cartas e aos diversos tons
emocionais com que foram escritas como, também, à maneira como as ordenou. Seu
cuidadoso trabalho permite conhecer, com raras exceções em que não lhe foi
possível decifrar a letra do Poeta, na íntegra, esses pequenos bilhetes, breves
notas e cartas. Acompanhando o texto em letras de imprensa, a reprodução do
respectivo original, deixando evidente, no papel em que foi escrito e nos
desenhos que, por vezes, o enriquecem, a informalidade e o lúdico, expressão
dessa veia espontânea e brincalhona que o Poeta sempre revelou no trato com
seus íntimos e em alguns de seus poemas. Notas antecedem cada uma das cartas e
bilhetes, situando-as, quando foi possível, no tempo e, igualmente, quando possível,
esclarecendo sobre o lugar onde foram escritas. Muitas são as notas de rodapé
em que Darío Oses igualmente, explica algum pormenor da vida de
Neruda, baseando-se em obras de outros estudiosos, dos livros Las uvas y el viento e Los versos del capitán e do poema “Que
despierte el leñador”. Esclarece quem são esses amigos citados pelo Poeta,
confessando que no que se refere a essa enigmática tia que coordena a presença
de Neruda na Itália, nessa época, não lhe foi possível conhecer a identidade. Tampouco
pode saber a identidade de outras pessoas citadas apenas pela inicial do nome
uma vez que não o esclareceu. Aclara sobre a situação geográfica de dois
topônimos chilenos e sobre uma expressão que Neruda usou que é um estribilho
próprio da música popular chilena. Também sobre o problema de saúde de Matilde
e sobre o nome, entre humorístico e provisório que haviam dado ao filho que
esperavam. Certamente, um trabalho cuidadoso e de grande valia o possibilitar o
conhecimento dessa correspondência de Neruda que tanto pela forma com a qual é
apresentada como pelo conteúdo é, sem dúvida, suis generis se comparada ao
epistolário amoroso de seus congêneres mais conhecidos.
Certamente um trabalho minucioso e
de grande valia possibilitar o conhecimento dessa correspondência de Neruda que
tanto pela forma com a qual é apresentada como pelo seu conteúdo é, sem dúvida,
suis generis se comparada ao epistolário amoroso de seus congêneres mais
conhecidos.
Matilde, longo e grande amor de
Pablo Neruda é a destinatária dessas cartas, escritas entre 21 de dezembro de
1950, quando Pablo Neruda não havia, ainda, se separado de sua segunda mulher, Delia del Carril, até
fevereiro de 1955, ao ocorrer o rompimento e se inscrevem na época del amor secreto como chamou Darío
Oses a esse período. Formam a primeira e a segunda parte do livro. Daí ser
explicável que nas primeiras cartas, Delia del Carril seja, por vezes, mencionada.
Presente, implicitamente, no verbo de primeira pessoa plural quando o casal
ainda fazia viagens juntos: hemos estado
em Varsóvia, Praga y Viena...; Nosotros
regresaremos allí [em Paris] dentro
de un mês; hemos vuelto de Shangai,
escríbenos a Praga; salimos mañana a la reunión que tu sabes [..]; escríbeme una carta para nosotros [...]. Ou,
mencionada como se, efetivamente, participasse das decisões: Ahora no me escribas mas privadamente. Contestame e en forma general sobre tu vida y proyectos, y
así me dices tu decisión para que se sepa y tome yo con Delia las medidas
necesarias. E, quando
pretende camuflar o relacionamento, enviando a Matilde um postal da Rússia onde
assina Pablo y Hormiga, o apelido de Delia. Ou, no convite que faz para que
passe o Ano Novo com eles: Comunicamos a
Ud que pasaremos el Año Nuevo em
Roma. Queremos contar contigo, chilena loca. Vente esse dia de donde estes y te vuelves donde no te
preguntaremos. Teléfono para
preguntar por nosotros em Roma [...]. Na carta de 26 de outubro que Dario
Oses presume ser de 1951, primeiramente diz de sua raiva ao telefonar-lhe e não
a encontrar em casa e de quanto falou mal dela por isso a ponto de Delia ter se
incomodado. Faz referência aos presentes que lhe enviou e pede que mencione ter
comprado algo chinês. Também, que ela conte tudo sobre seus amigos de viagem sobre
o que irá averiguar. No segundo parágrafo anuncia estar tudo ajeitado conforme
combinaram e que irá telefonar, pois eles têm muito o que dizer e que tomou
decisões que irão lhe agradar. Pede que programe bem os detalhes da viagem, que
pense no que vai dizer na carta a D. (certamente Delia). Três dias depois, de
Paris (segundo o P. que antecede a data e informação de Dario Oses), torna a se
referir a nuestro projecto que está
confirmado e supõe que ela já deve ter recebido o jaquetão o qual deverá ser
mencionado somente para ele. Pede que lhe escreva uma carta para nosotros (na verdade, para ele ainda que, certamente, o
pronome no plural faça supor que dirigida a ele e a Delia), esclarecendo sobre
seus companheiros de viagem e o hotel em que ficaram na Suiça. Insiste no
pedido porque essa viagem é comentada devido a uma carta que ela mandou para D.
(outra vez apenas a inicial do nome Delia). Finalmente, a carta em papel
timbrado do Hotel Cornavin de Genebra, com a notação do dia da semana e do mes
(miércoles, 12) em que, ainda uma vez
se refere à Delia, desta feita usando a letra H., provavelmente de Hormiga,
como é presumível e nota Dario Oses. Diz que anjo ou diabo ela continua velando
pelo amor deles, pois H. aceitou plenamente, o plano que ele havia ideado para
afastá-la e assim eles poderem estar juntos sem maiores entraves.
Assim, na verdade, nunca houve da
parte do Poeta, uma preocupação quanto ao papel em que escrevia. Usava papel
timbrado (ou um envelope) do Senado do Chile, da Câmara dos Deputados da Itália,
da “Fundación Pablo Neruda para el estudio da la poesia”, de hotéis (Copacabana
Palace do Rio de Janeiro, Cornavin de Genebra, Hôtel d´Angleterre de Roma,
Grand Hôtel e Malmen de Estocolmo, Maury de Angofogasta). Ou folha destacada de
uma agenda, envelope, algum pedaço de papel rasgado qualquer e postais
(paisagem da Rússia, de Machu-Pichu, de Buenos Aires, reprodução de Jacob van
Ruisdael, da companhia aérea na qual viajava). Até porque em Paris, escreve no
Correio (he venido al correo y em medio
del torbellino de gente que pasa a mi lado solo tengo tiempo para darte el beso que te mereces) ou num Congresso em que
algum intervelo lhe permita fazê-lo:Como
por aquí pasa mucha gente a verme y me miran la carta voy a cerrarla . Então,
se por vezes, os papéis são ilustrados como aqueles que usa quando lhe escreve
da China, na maioria das vezes, nessa correspondência para Matilde datada de
Roma, Berlim,Paris,Viena,/Rio de Janeiro, Buenos Aires, Isla Negra, Genebra,
Pequin, Estocolmo, Nápoles, Genebra, viajando no trem transiberiano ou, ainda,
num voo, chegando em Buenos Aires,entre
Londres e a Suissa, sobrevoando a Espanha, o faz, servindo-se do papel que, no
momento, lhe está às mãos e com letra do próprio punho
Exceções, as duas pequenas cartas datilografadas.
Uma delas, em papel chinês, sem erros e a outra, posterior, em que o Poeta
comenta ter comprado a máquina (esta
GANGA) o que explicaria as imperícias na datilografia, como aponta Dario
Oses. As demais cartas são todas manuscritas, na letra apressada que lhe é
peculiar. Vez por outra com uma letra maior do que a habitual e quase sempre
com tinta verde ainda que, de vez em quando, use vermelha que a impressão do
livro tem o cuidado de acompanhar. E azul (ao escrever de Berlin ou no avião)
ou preta (em breve frase, acompanhando umas entradas, num bilhete, junto com
mensagens de dois amigos e naquele que trata de questões práticas e diz ter
perdido a caneta); ou algumas linhas com tinta verde que deve ter acabado uma
vez que usou também tinta azul. Uma escrita alinhada horizontalmente, por vezes
um pouco ascendente, inclinada para a direita, ocupando toda a superfície do
papel ou completando o assunto na vertical ao aproveitar o espaço deixado pela
margem. Ou bem ascendente como o pequeno bilhete sem data em que anota, apenas,
com uma letra maior do que a habitual, Hoy
miércoles; e uma ou outra vez em diagonal no papel retangular. Poucas vezes aparece
descendente como nas cartas de 26, 29 e 31 de outubro de 1951, quando embrabece
com Matilde; ou na de 10 de dezembro, sem ano, na qual ele conta ter estado
gripado e provavelmente ainda
não esteja recuperado, mostrando um certo desânimo e na carta em que se
mostra cheio de saudade, a ansiar pelo encontro previsto. Há casos em que
circunda ilustrações impressas no papel ou faz um desenho Na carta de 25 de
outubro de 1952, um desenho cheio de significados: mesa com vaso de flores,
mulher chorando com tantas lágrimas que não apenas constituem uma sopa de lágrimas, como caem para o chão, um cachorrinho malhado cuja
curiosidade se revela no balão sobre ele, contendo um ponto de interrogação,
duas garrafas, um sol que segundo as palavras escritas perto dele é indicador
de esperança para as pequenas figuras humanas, Matilde na frente segurando a
sua mão, correndo provavelmente para a liberdade. Ou o desenho da carta sem data em que repete
(como assinala Dario Oses) o retrato de
Matilde que fez Diogo Rivera, isto é um rosto visto de frente e de perfil. Ou
este outro desenho num pequeno bilhete: uma árvore da altura do cartão, uma
casinha rudimentar no seu canto esquerdo, tendo ao lado, representado em poucos
traços um ser humano e umas linhas
horizontais, onduladas, ocupando a largura do cartão.Faz o desenho de uma flor
num cartão em que escreve: Esta se la mando desde la estación de Berlin.
Quanto
à data, pode-se dizer que em cada carta, é
diferente a maneira como o Poeta registra o dia, mês e ano em que escreve. Ou não o faz e a informação é dada,
ocasionalmente, pelo timbre do Correio ou por uma letra que se acrescenta à
carta e que Dario Oses opina ser a de Matilde.
Informação que, no entanto, ainda no dizer do organizador das cartas,
pode ser incorreta como no caso daquela cujo conteúdo parece não corresponder à
data: 9 de outubro de 1959. Por vezes, é o próprio Neruda que põe em dúvida o
dia em que escreve e lhe acrescenta um ponto de interrogação: Isla Negra
domingo 14? E mais adiante, Feb.1955. Em quase uma dezena delas, ou pelo
assunto ou pelo tom emocional ou, ainda, a partir do lugar de onde Pablo Neruda
escreve, Dario Oses presume o ano em que foi escrita o que pode ser por
aproximação como no caso da breve carta enviada da Finlândia onde Pablo Neruda
esteve duas vezes, em 1955 e em 1957. Ou do postal enviado no dia 14 de
setembro do trem Transiberiano que remete, com segurança, ao ano de 1951 que
foi o ano em que o Poeta realizou essa viagem.Também aquela, sem data, mas que
se refere ao aniversário de Matilde escrita numa sexta feira, certamente num 5
de maio. De maneira geral, a data é
colocada no início da carta, pode acontecer, porém, que ela apareça no meio do
texto ou no fim. Poucas vezes, elas trazem as três informações usuais. Muitas,
simplesmente, não são datadas: aquelas, na sua maioria, escritas quando o Poeta
e Matilde já moravam em Santiago, mas, ainda, em casas separadas e eram
enviadas e recebidas no mesmo dia quando, então, ele escreve apenas hoy ou hoy miércoles.Nas demais, as combinações são as mais variadas:
somente o dia do mês ou somente o dia da semana. Ou o dia da semana e do mês.
Ainda, o dia da semana, o dia do mês e o mês. Ou o dia da semana, do mês, o mês
e ano. O dia e o mês. Dia da semana, dia do mês e o ano. Algumas, registram o
dia do mês, o mês e a hora à qual se acrescentam de la noche, de la mañana,
p.m. Noutras, há uma refirmação da data pelo uso do advérbio hoy acompanhado ou somente da notação do
ano ou o dia da semana, dia do mês, o ano. E duas vezes, somente o advérbio hoy: uma vez acompanhado de P M e outra
da explicação no sé que dia es ni que
fecha.
Embora haja cartas em que o Poeta
use o tratamento Usted e outras,
poucas, em que mistura tu e usted, na maioria delas, emprega o
pronome de segunda pessoa. Quanto aos vocativos, ainda que não apareçam em
todas as cartas eles, na verdade, são inúmeros, muitos e diferentes entre si.
Assim, na primeira carta que foi registrada em Pablo Neruda cartas de amor, o vocativo é simplesmente Matilde o
que, salvo uma vez, não mais acontecerá. Irá aparecer abreviado (Mat) ou
acompanhado de um possessivo (Mati mia?) posto em dúvida pelo sinal de
interrogação que o acompanha e que terá resposta no segundo parágrafo, iniciado
secamente com o nome próprio Matilde ao qual se seguirão as queixas que dela
tem o Poeta. Mas que se diluem ao começar o parágrafo seguinte com a expressão querida. Em outras cartas Matilde será
antecedido de expressões díspares: Santa
Matilde, Doña Matilde, Estimada Srta Matilde. Três vezes,
Neruda antecede o nome de Matilde da palavra Santa. Uma vez sem colocar a data e em dois bilhetes, o dia cinco
de maio, aniversário de Matilde que não corresponde ao dia dedicado à Santa
Matilde. E não se atendo a alguma qualidade que as pudesse tornar semelhantes
porque a seguir a chama de hechisera de
bolsillo, sultana del mar,
expressões que lhe conferem um poder – o de se fazer amar - ao qual o adjetivo santa poderia também, ser relacionado. Doña Matilde é, certamente, uma troça ao estabelecer um
distanciamento que o Usted, a seguir,
reafirma, assim como os verbos na primeira pessoa do plural – na verdade, ele
se expressa, soit disant em nome de amigos e de Delia com os quais pretendia
passar o Ano Novo em Roma. Ao chamar Matilde Paloma de la Guerra, é possível que a esteja a fazer uma relação,
como o observa Dario Oses em nota de rodapé, com a Pomba da Paz que ele havia
entregue no II Congresso Mundial da Paz, realizado em Varsóvia. No entanto, o
jogo de palavras em Hasta, luego Paloma
de la guerra é bem instigante.
Porque o advérbio luego, separado do Hasta, pela vírgula que desfaz a
expressão hasta luego, parece remeter
a uma possível transformação comportamental e emocional, algum estado belicoso
de Matilde, levada a viver uma situação ambígua com o Poeta haja visto que sua
separação de Delia del Caril não havia, ainda, ocorrido. Trocista, o vocativo Estimada
Srta. Matilde, repetido na despedida, a introduzir uma lamentação pelo
encontro frustrado. Troça que se intensifica na segunda parte da carta em que,
na sequência de epítetos entre o primeiro, alma
mía e o último tierra de mi corazón
se misturam expressões de exagerado lirismo com outras fantasiosamente
infantis. Mais usados, os vocativos querida mía (inclusive, uma vez, a reafirmar a posse com o uso da vírgula
entre as duas expressões e outra vez, servindo-se do pleonasmo mía, mía) e, sobretudo na sua
indiscutível síntese, os vocativos amor,
mi amor ou amor mío que, também, aparecem
no meio da carta (como Patoja mia) e
no seu final e, então, reafirmados por um uso pleonástico ou por outros
vocativos: vida mía, mi adorada, alma
mía, adorada, dulce mia. Alguns vocativos, no entanto, aparecem apenas uma
vez: muy adorada mujercita mia, valiente mujercita mia, Mi retaguradia cagoncita, fiera mia, perra mia, Sra.Rosario, doña
Rosario, Pat Hoja, Patoja mia, Amor Patoja de mis entretelas, Patoja loca,
Cochina Patoja, Patoxita, La Chasca, Mi estimadita, diabla colorada.
Se nesses vocativos está presente a
afirmação do amor em múltiplos diapasões (o lírico, o amoroso, o trocista, o
brincalhão) assim acontece, também, nos epíteto, que se espalham pelas cartas.
Ou chamando Matilde de la Chasca, Patoja
loca, mi Chascuda ou de chilena loca a demonstrar intimidade de
amigo numa carta escrita quando ainda estava na companhia de Delia del Carril.
Ou, simplesmente corazón. Num bilhete
de poucas linhas, sem referência a lugar e sem data, em que o vocativo é Doña Rosario e o remetente, el de Temuco, anuncia a remessa de um
manto de Araucanía para la medusa
araucana. Amorosamente a chama de sueño
mio, adorada mia e, apaixonado
enumera amor, adorada mia, sol de este dia, luna de la noche. Uma
vez finaliza, brincalhão, com perra furiosa a lembrar do epíteto de
outra carta, fiera mia (depois de um
desentendimento) e, ainda, o de outra, mi
perra. Em duas outras cartas se apraz em enumerações de epítetos. Numa, os
antecede do possessivo de segunda pessoa a jogar com o possessivo de primeira pessoa
para estabelecer uma ligação absoluta entre Matilde e ele: tu boca es el pan de mi boca, tu corazón es mi corazón, tu cuerpo
adorado es mi reino. Em outra,
justapõe simples adjetivos – firme,
amada, dulce, valiente, alegre,
seria, leal – sendo que o último, abrazada,
é completado por um adjunto a exprimir aquele desejo de um amor sem fim, sentimento
tão próprio dos amantes, o desejo da eternidade: abrazada por toda la vida a su capitán.
Como diz Darío Oses, as cartas foram
escritas ao correr da pluma, sem nenhum cuidado estilístico. E, assim
espontâneo, o tom em que Neruda as escreve e que se mostra em perfeito acorde
com o seu jeito de ser: primorosamente amoroso, ainda quando se revela dominado
pelo ciúme e pela desconfiança como na carta de 26 de outubro de 1951: [...] estoy cansado de traiciones [...]. He pasado desesperado estos dias, nervioso y colérico
[...]. Em outra, sem data, escrita numa quarta-feira, em que inicia com o
vocativo amor mío e procura se
desculpar por um desendentimento que tiveram, argumentando: No podemos poner en peligro nuestro maravilloso amor e termina
mandando Todos los besos, e acrescentando
o epíteto fiera mía. Excessão desses
raros momentos de desagrado, o tom das cartas é sempre o de um homem apaixonado. Mas, nota, ainda, Darío Oses, que embora sendo grande Poeta, ele
incorre nos piores lugares comuns do bolero como na carta de 26 de
outubro de 1952: tus lágrimas riegan tu
corazón y el mio, te cambian y te
enternecen, estamos más juntos que muchos que jamás se separaron, nuestras raíces están amarradas y mojadas con las
mismas lágrimas. Piegas, na mensagem de três linhas Te acuerdas?Yo
sí. Ay que divino! Pieguice que, também, está presente ao designar Matilde de valiente mujercita mia, firme, amada, dulce, valiente, alegre, seria,
leal, y abrazada por toda la vida a su capitán, tu boca es el pan de mi boca,
tu corazón es mi corazón, tu cuerpo adorado es mi reino; quando
se lamenta por alguma atitude que
não está a entender (fué todo esto un nuevo
puñal[…] sabrás cuanto puedes herir, solo
con la mentira o sin la verdad ); ou reafirma seus sentimentos (y te doy una vez más mi cuerpo y mi corazón ; Sale alguien a Paris que lleva esta carta con mi corazón para Ud.).
Porém, tais expressões, tão amorosamente
sentimentais, como igualmente o constata Dario Oses a respeito dessa carta de
26 de outubro de 1952, se minimizam pelo vocativo mi retaguardia cagoncita e pelos desenhos infantis e trocistas que
acrescenta. Porque, não é raro misturar, nessas cartas, um tom emocional e
terno ao tom brincalhão ou ao linear e prosaico. O brincalhão se mostra nesse relembrar do
momento em que se apaixonou por ela aunque
tuviera fiebre. Só depois, quando
eles se encontraram na Romênia é que ele se deu conta de seus sentimentos o
quer o leva a rotular-se despectivamente de el
muy pelotudo (o muito bobo).
Também, ao enviar, da Suécia, um postal para seu cão Donegal cujo nome antecede
da expressão Señor além de lhe
acrescentar o sobrenome de Matilde e a primeira letra do seu próprio sobrenome:
Bonjour, guau, guau, good morning,
conserve tes longues oreilles et la couleur
de tes cheveaux. S´embrasse e [..] Ou, mencionando-o a gracejar: Fui esta mañana al Museo de Hist. Natural. Vi muchos animales raros pero ninguno como el Donegal) ou, ainda, ao enviar
um cartão postal para Matilde y Donegal
cuja graça se intensifica nas perguntas que faz: Qué hace?Riega? Pilheriando, no cartão em que escreve primeiramente,
com letras grandes Ojo! Para afirmar em seguida que a sua amada será
chamada, a partir de então de Patoja
Pablo Naruda; e quando se despede
dizendo te besa en la trompa ou La
abraza mi camisa, rodeando esse talle
adorado retoma, com seriedade, o nome que inventou para Matilde, na
apresentação de Los versos del capitán
( Doña Rosario) y se identificando como el de Temuco; ou ainda usa como
vocativo o apelido de Matilde no diminutivo, Patoxita .Numa explicação, feita
objetivamente – No traigo el Canto
porque traía outro libro. No hay espacio en la camioneta,ele
a antecede de um texto jovialmente didático que estabelece um castigo para las chasconas porfiadas entre as quais, se presume, está incluída Matilde
, determinando, um prêmio (por bom
comportamento, cujo beneficiário seria ele próprio uma vez que a levando a Valpo
(Valparaíso) como promete, a teria em
sua companhia. E na quadrinha ingênua, não isenta de rima rica,
completa o perfil da chascona porfiada,
no caso mentirosa. Tampouco, não são
desprovidos de troça carinhosa alguns
epítetos como lagrimona, puma roja, cara de mona,Santa Matilde,
hechicera de bolsilho, frivolona que,
na carta de 18 de abril de 1953, iniciada cerimoniosamente com um Estimada Srta. Matilde (repetido na
despedida) se justapõem em número de
oito: alma mía, sangre de mis venas, sombrero de mi cabeça , cola de mi
perro, tesoro de mi alma, punta de mi nariz, perra adorada, tabaco de mi pipa, tierra de mi corazón como a querer, jocosamente, atenuar as
expressões de ciúme: auto-intitular-se seu modesto amigo e acusá-la de mover
sua chasca en la calle por não encontrá-la
em casa, o que, de modo enfático e exagerado, designa de ingratitud, infâmia, infernal harpia. Ainda, a imagem calientita como una tortilla fesca numa comparação risonha como risonha é a
enumeração de objetos díspares e inventados que lhe manda de presente como o
anuncia na carta de de 26 de outubro de 1952 escrita à máquina: 1 Caja china de cartón y seda para guardar y
esconder las penas / 1 caballito blanco para que vengas corriendo a mi lado, 1
caracolo de las Islas para que me escuches en tu oreja noche y dia / 1 frasco
chino para que me guardes una lágrima, una cajita china para que me guardes una
sonrisa / 1 cantarito de porcelana para
que bebas y cantes / un pescadito de Italia para que vayas y vuelvas / y /
muchos libros para que nos los leas . Igualmente escrita à máquina, toda
com diminutivos (Matildita Nerudita PATOXITA,cartita, maquinita, maridito, DON
PABLITO) e muitos erros de datilografia,
aquela em que anuncia ter comprado a
magnífica máquina de escrever que elogia ser de PRIMER ORDEN e designa como
GANGA, nos sentidos que lhe dá o
Aristos: objeto apreciável adquirido a baixo custo ou usado com o sentido
irônico para designar um objeto sem valor ou incomodo.
Embora trate de um assunto sério, Neruda não
se priva de fazer uma brincadeira. Assim, ao mandar a Matilde uma orientação
prática – entrega do pacote com originais destinados à Editora Losada para um
amigo que irá viajar a Buenos Aires – o bilhete que redige é escrito num tom
formal que Darío Oses define como entre o paródico
e cúmplice que faz lembrar a inclinação de Neruda para o disfarce: inventa
para Matilde (a quem chama de Sra. Rosario) um marido (saludando a su esposo), na verdade, ele mesmo, e um filhinho
chamado Nyon que é o nome do cachorro que eles trouxeram da Europa. .
Mas, por vezes, é realmente prático
e objetivo. Assim, ao tratar do envio de um endereço, de documentos, de
recortes, de livros, se referir a um amigo, mencionar itinerários e planos de
viagem; anunciar a remessa de flores ou de presentes (te he buscado tiernos regalos, Le compre una linda botella verde y unos
pájaros de madera) e de eventuais ajudas financeiras; planejar os encontros com Matilde que ele
tanto almeja e que , nas cartas,
aparecem apenas esboçados. Se por uma vez faz referência ao transporte
da bagagem até o porto, à possibilidade de levar animais a bordo, a cambio de
moeda, a não ter ainda o visto para entrar no Uruguai o que expressa, sobretudo, é a vontade desse
encontro, a reafirmação de que ele irá se realizar: El proyecto de reunirnos no encuentra ningun obstáculo, por el contrario
va cada dia mejor; yo quiero tenerla en mis brazos el 1 de año como el año
pasado. Asi será. Ou,
pasaremos untos el 1 del año. Ou, ainda:
nuestro proyecto que está seguro. E, persistente, como soi acontecer com
amantes que estejam separados, esse desejo, sempre renovado, de estar junto com
o ser amado que o Poeta exprime em pequenas frases (me muero por esta contigo; deseo de estar contigo; siento en el alma no poder estar contigo, corazón; Solo
tú me faltas, amor; que largos son los días sin ti y las semana. Ou,
estendendo-se em expressões, que podem
se mostrar piegas (cuento las horas que
me faltan para besar tu bocica adorada.Amor, Amor, me haces mas falta que el
aire y que el mar aqui completas lo más
bello del mundo para mí) ou se
aproximar do mundo que aspira num delírio da esperança (No te digo más sino que te extraño, te busco, te encuentro aunque no
estes y te beso). E o constante
lamentar da separação (Aunque solo
um día o dos que dolor no estar contigo; que largos son los días sin ti y las semanas; Solo que aqui no tengo cerca
de mí lo que más quiero en el mundo, tu boca, tu cuerpo, tus ojos, vida mía.).
Ou as lembranças de momentos felizes (Hoy
he paseado solo por esta ciudad de pronto vacía, con recuerdos en cada esquina,
recuerdos de amor y locura).E, inexorável, o persistir de Matilde no seu
pensamento: Un día sin verte pero viéndote; Yo pienso en ti día y noche, noche y día, amor
mío, dulce mía […];
Inserindo-se
na expressão amorosa do Poeta, breves referências a fatos do cotidiano: alude a
encontros ocasionais com amigos nas suas viagens, a um pesadelo que teve, a um
possível tremor de terra durante a sua viagem a Tocopila e ao carinho com que
ali foi recebido. Também, sobre a gripe que o acometeu, sobre os exames médicos
aos quais teve que se submeter e à preocupação pela saúde de Matilde que o
impede de dormir bem, inquirindo como ela passou a noite, se marcou hora com o
medido e, refirmando: hago cuanto puedo por tu vida, no me gusta tu estado de
ayer. Expressão de cuidado com Matilde que se entremeiam a assuntos
referentes à construção da casa nova, anuncia que está a lhe enviar 3 sacos
de cemento ou, eventualmente, se limitando apenas ao essencial sem se deter
em vocativo, data, despedida ou assinatura como no bilhete em que dá conta de
certas diligências relacionadas ao engenheiro e à lareira. Pede que subscrite
envelopes, que lhe compre barbante no Mercado, que lhe mande o que precisa para
se barbear, os medicamentos que tomava na Itália, menciona seu cão Donegal. Diz
que perdeu a caneta. Por vezes, avisa que não passara na sua casa pela manhã, mas
à tarde ou que vai lhe mandar o carro ou, ainda, pede que o mande de volta ao
meio dia ou pelas dez horas.
Nos acordos para o
uso do carro (mande el coche antes de las
11; mándeme el coche a las 10; devuélvame el auto com Homero; y
a qué horas debe salir para mandarle el coche) ou nos recados que lhe manda
(Amor, si puedo paso a verte; Amor mio, no puedo pasar a verte; no creo
que podré verla en la tarde quedamos en vernos el jueves) evidencia-se a
rotina instaurada. Pablo e Matilde
já residem na mesma cidade embora não totalmente livres para estar juntos, pois
ele ainda não desfizera os laços que o prendiam a Delia del Carril.
Consequentemente, usavam de artifícios como vinham fazendo durante as viagens,
para poderem se encontrar como aponta essa breve informação que fala da Playa Salinas e da casita colorada sobre roca que, segundo Dario Oses
parece sinalizar um possível encontro sempre desejado. Porque a falta que lhe
fazia Matilde, confessada logo na primeira carta de 21 de dezembro de 1950 não
diminuiu ao longo do tempo. Cinco anos depois escreverá: que largos son los dias sin
ti y las semanas! E assim como confessa que a leva consigo en la mitad del pecho para onde quer que
va – yo pienso en tí dia y noche, noche y dia, amor mío, dulce mía,
y no sé si te quiero pero te quiero
– também se mostra inseguro porque ao dizer te
espero é levado a pedir uma reciprocidade, espérame que a expressão nos seas
perra que a antecede parece demonstrar uma dúvida.
Ao finalizar suas cartas, por vezes,
Neruda não se despede e nem assina. Ou
se limita à palavra Siempre ou à
expressão, hasta luego, simplesmente, ou seguida de Mil besos ou do adjetivo adorada; ou envia um rayo
verde de todos los cielos ou pergunta cómo
estás de fondo y forma? Na sua grande maioria, porém, as despedidas se
constituem declarações de amor: Te aprieto a mi corazón amor mío, com cuerpo,
alma y amor; Por último quiero
decirle que la amo; Te quiere; Te
quiero, amor; Te amo; La quiero con sol, de noche y de dia, a toda hora. Amor
mío. E a longa expansão amorosa eres para
mi, el centro de todas las cosas, de tu chasca sale el sol, tu boca es el pan
de mi boca, tu corazón es mi corazón, tu cuerpo adorado es mi reino talvez
tenha sido imprescindível no difícil momento que viviam com a ameaça de não se
concretizar a gravidez de Matilde o que já ocorrera antes. Também estão
presentes os lamentos pela separação em que vivem. Neruda se refere ao tempo
perdido, aquele em que não estiveram juntos, vislumbra uma esperança: viver sim sobresaltos. Ou deseja-lhe a
presença (te extraño, te busco, te
encuentro aunque no estes). Reafirma sua posse (Eres mía) e em cada carta, a sua entrega ao escrever, quase sempre no
final, os possessivos su suyo, tu tuyo, Es tuyo, siempre tu
Capitán.
E manda beijos nessas despedidas
embora possa acontecer o envio de beijos no meio da carta (acumularé todo el dia besos para tu cuerpo que es interminable para mi,
aunque la vida me la pasaré besandolo
no lo terminaré de besar ou te besa por todas partes empezando por la planta de
tus pies y terminando en el último pelo de tu pelo de puma [esta palabra
puma aparece riscada] ou no início e no fim como na que
escreve no dia em que faz cinquenta anos (Amor
mío, mi pimer beso [...] y todos los besos que caben em tu boca postal y en tu corazón que tiranizo) Neruda manda
beijos ao se despedir. Muitas vezes, simplesmente enviando besos, Besos de Coihueco; muchos
besos y “todo el amor”; mil besos; besos y otros mil; felicidades y besos; todos los besos.Ou apenas escreve num
postal, enviado da Argentina, Besos e
no postal seguinte, das ruínas de Machu Pichu, Más besos. Ou, usando o verbo com os pronomes de segunda pessoa (te beso, te besa) ou de terceira pessoa:
La besa a Usd en la trompa; la besa por todas partes; te besa estimada
Srta.Matilde. Ou se mostra trocista, La
beso y sigo mi oda ou faz referência ao cabelo, à boca, ao coração, ao
corpo de Matilde, Todo eso [...] lo recuerdo y lo beso ou a seus olhos sus ojos que beso. Seja acompanhado de
um vocativo amoroso ou reafirmando a posse (Amor
mio te beso muchas veces; Eres mia y te beso) expressa, também, na simbiose
que ele determina: besos para mi boca (que está em tu cara). Ou dando
razão para o beijo Te besa por todo ese
tiempo perdido; para darte el beso
que te mereces valiente mujercita mía ou, seu dizer amoroso mais ardente,
completando essa ação de beijar com um objeto direto ou com advérbios de modo Te beso de arriba a bajo; te beso toda la carne, los huesos y el alma;
el beso mas largo, mas dulce, el que se quede en tu boca para toda la vida).
Exceções, aquele beijo que ele manda num momento de ciúme (Um beso, pero en la frente de quién
quiere deveras defender tu amor) e o que determina que sejam todos todos los besos que siempre vão contigo. ainda, a brincar, especificando
tamanhos e cores: cajón de besos surtido
grandes y chicos, colorados, verdes
color de cata etc. Por uma vez, desejando um beijo de Matilde, quando lhe
escreve numa de suas viagens e, possivelmente de um país onde havia neve, pois
diz que daria toda la nieve por uno solo de sus besos, pero de los que Ud.
Sabe, no de los duros. Outras vezes, contando as horas para besar tu bocica adorada ou, anunciando beijos: apenas duerma [ao voltar de uma viagem difícil] vuelo a besarte.E, presumindo um dia difícil, ainda assim, promete: alcanzaré a darle um beso. Ou, ainda: esta no es uma carta sino um beso. Te lo doy a
través de la tierra y seguiré besándote através del mar. E, cheio de lirismo os
define: Te mando mas besos que la lluvia
que cae y pronto te los daré con mi propia boca.
Cartas
há sem vocativo e sem assinatura. A não ser duas vezes – nas poucas linhas que
acompanham uma for que lhe envia onde assina Neruda e numa carta em que simula
estar a dirigir-se a uma pessoa estranha, quando assina Pablo Neruda, ele não
coloca o seu nome no fim da carta, identificando-se de várias maneiras.
Excepcionalmente o faz uma vez num postal escrito no trem transiberiano quando,
junto a seu nome, consta está escritoormiga
Hormiga, o apelido de Delia del Carril. Nas demais, apenas uma vez escreve Pablo (uma vez antecedido do adverbio
siempre) e tu Pablo duas vezes; ou a
inicial de seu nome ou a inicial de seu nome antecedido do possessivo tu e do possessivo su. Adjetivos estes,
usados, com frequência a anteceder, pleonasticamente, o pronome tuyo e suyo numa reafirmação de entrega: tu tuyo, su suyo pois não poucas vezes usa apenas Tu ou Suyo (uma vez com a variante suyo
su admirador ou su Pablito). Ou,
acoplados ao termo capitán, (remetendo
ao título do seu, então, livro secreto) com que assina uma das cartas e também capitano (lembrando a Itália onde o
livro foi publicado pela primeira vez). Assim tu capitán, Tuyo Tu capitán. Su Capitán, Su capitano, Su cane di Capri. Exceções,
quando assina apenas Capitán, Don Pablito,
tu Bimbo, el de Temuco, el
ciego de los versitos.
As declarações de amor estão
presentes ou no início ou no meio ou no final das cartas e, em muitas, se
repetem. Simplesmente te quiero, te amo,
la amo que, por vezes, são insuficientes para expressar tudo o que sente:
ciúmes, necessidade de reafirmar posse e entrega, insegurança que o leva a
defesa do amor que sente e que define.
Na primeira carta que faz parte da
compilação Cartas de amor, datada de
21 de dezembro de 1950, as primeiras linhas são de reproche pelo que Matilde
havia escrito e que à seguir, no caso em que ela aceite sua sugestão de
viajar a Paris, a sua presença o livraria da raiva que sente. E conclui: En verdad te necesito. Já no mês de
outubro, presumivelmente, como indica Dario Oses, do ano de 1951, é dominado
por uma incontrolável crise de ciúme que o leva, inclusive a pensar em pedir a
Ivette (uma amiga fiel?) que viaje a Paris para averiguar tudo que o intriga a respeito de Matilde. Três
dias depois, insiste (Te lo ruego que lo hagas) para que ela escreva
contando de sua viagem, dos seus companheiros de viagem, do hotel em que
ficaram na Suissa. Mas, termina a carta, carinhosamente e repetindo que a
espera. E, dois dias depois, novas perguntas e acusação (Matilde fue todo eso um nuevo puñal)
às quais se junta a inquietação sobre os rumores de sua viagem com os amigos
mexicanos. Outra vez, a disposição, confessando que junta toda a força
necessária de “conservá-la”. Continua a insistir no quanto ela pode feri-lo com
mentira ou com a falta de verdade. Porém, reafirma que o plano de encontro que
planejam não sofre obstáculo. Mas, ainda pergunta: E nosotros? E, assim como, numa carta, diz te espero é levado a pedir reciprocidade, espérame que a expressão no
seas perra que a antecede aponta para uma possível dúvida. Insegurança quer
o leva a reafirmar posse e entrega. Seja brincando: mi amada desde ahora será
llamada Patoja Pablo Neruda, seja afirmando ser o seu dono: Ahora ya te he arado entera, te he
sembrado entera, te he abierto y cerrado, ahora eres mia. Para siempre. Porém,
se submetendo, igualmente, à entrega – se
que eres mía y que soy tuyo – sentimento que o leva ao nós. Assim é que,
então, irá definir esse amor a partir do possessivo de primeira pessoa plural: nuestro maravilloso amor; lo
importante es nuestro tesoro, nuestro amor; firme y profundo, el amor, tuyo y
mío, lo nuestro; nuestro amor es como estos días de mar: limpios y claros solo
para ser felices; Hay algo más importante que tú y que yo,
somos tu y yo. Juntos somos lo que la pobre
gente no alcanza jamás, el cielo en la tierra. Não se negando, então, a enfrentar as agruras da vida, enfermarnos juntos, sudar juntos y revivir juntos para querernos – solo por querernos toda la vida. Não, porém, poupados da mágoa de não lhes ser
permitido viverem juntos, é levado a proclamar: defenderemos nuestro amor toda la vida; lo defenderemos pero no por
dias sino por la vida. Ya verás; mi vida le
escogí yo y la escogí para ti también. E, se tem certezas – vas hacia mi.Adonde vayas, Andes, vueles, corres, vas andando, volando,
corriendo hacia mí. - igualmente se lamentanta: Cuando viveremos sin sobresalto? Interrogação
a exprimir um desejo ao qual ele acrescenta serem esses sobressaltos que tornam
maiores as raízes do amor que os une. Como todo enamorado, tem sempre o
pensamento cativo na figura amada, abstraindo de tudo o mais, porque ela é o
centro de todas as coisas e não duvida que o amor que dela recebe vai durar a
vida inteira.
Muitos assuntos das cartas da fase
que Dario Oses chama de “La época del amor secreto” estão presentes naquela
que, também no dizer de Dario Oses, se agrupa sob a rubrica “Cuando el amor ya
no se oculta”. A eles se acrescentam aqueles que o convívio da vida
compartilhada propicia. Assim, nas cartas desta fase, há o anúncio de presentes
(na verdade, poucos, apenas uma flor no seu aniversário, batatas de tulipas, muchas cosas), a narração de um sonho,
onde passeou nas cidades europeias durante suas viagens, os amigos que, então
encontra, notícias de sua saúde, já agora, com detalhes mais íntimos que a vida
de casal autoriza como se referir a
estar usando a última camisa limpa e a detalhes de sua higiene pessoal e a alguma
medicação, a menção ao clima, aos aplausos que recebeu quando da cerimônia em
que foi homenageado o poeta Mickiewicz, em Varsóvia. Ao escrever-lhe de Isla
Negra, muitas são as referências a fatos do cotidiano: cachorros, eventuais
convidados. E, observações um tanto ácidas sobre alguns amigos que revelam,
nessa correspondência, uma faceta desconhecida do Poeta. Quanto ao mais, nada
de excepcional como ele próprio reconhece na carta de 22 de novembro de 1955: No me dirá, mi amor, que no la he tenido informada de mis pequenas cosas que
son casi siempre las mas importantes. E que não se mostram muito além do
seu reduzido universo. Daí não ter conseguido Dario Oses identificar muitos dos
personagens ou situações mencionadas e suas notas se reduzirem às poucas
informações que lhe foi possível obter. Assim, o nome da nova casa que pensavam
construir, sobre a sua casa na França e a empresa encarregada de vendê-la,
alguns amigos, a Feira realizada em Valparaíso que expôs objetos que lhe pertenciam.
Interessante, a nota que esclarece uma expressão usada por Neruda que estava
escrevendo suas memórias: o P. de que fala se refere ao Partido Comunista
Chileno.
Tendo em vista que a maior parte
destas cartas foi escrita em casa, o papel foi aquele encabeçado pelo logotipo
de Neruda. Com o timbre de Isla Negra, apenas uma carta. Em papel comum, uma ou
outra carta. Postada de Amsterdam, aquela escrita num aerograma e outra, em
papel timbrado do Palace Hôtel de Bruxelas. Num envelope a ele endereçado,
escreveu uma frase apenas e duas frases num pequeno papel marrom. E três
postais enviados da Rússia, com imagem da Rússia, de Amsterdam, de Londres
(ambas as fotos são de torres com relógio) e do Rio de Janeiro com imagem da
Holanda.
Em 1955, Neruda viaja a Europa para
ser jurado do Prêmio Stalin da Paz, estar presente no Consejo Mundial de la Paz
na Filândia e nas comemorações do Centenário da morte do poeta Adam Mickiewicz
na Polônia. Escreve para Matilde uma carta de Amsterdam, um postal, voando para
Bruxelas e uma carta de Bruxelas, duas de Varsóvia, outra de Berlin e um postal
da Rússia em que diz que logo avisará quando estiver de volta. Pela
correspondência, se tratou de uma curta estadia, pois a primeira carta data de
25 de novembro e a última mensagem, de 7 de dezembro. Segundo Darío Oses,
provavelmente de 1956, ano em que Neruda esteve no Brasil, o postal escrito
durante o vôo para o Rio de Janeiro, curiosamente com imagem da Holanda. De
1966, apenas três mensagens.Escrita de Isla Negra em 4 de abril, quando Matilde
viajara a Buenos Aires, uma carta longa e datilografada. Também de abril deste
ano, do dia 30, um bilhete escrito numa taberna
solos com Campari y océano. O solos
se refere a Manuel, provável amigo ou conhecido, não identificado por Darío
Oses, que o acompanhava e que também, no bilhete, escreve umas palavras. Uma
semana depois, no dia 7 de maio escreve umas linhas, dizendo que não recebera
nem notícias dela nem de Alvarez quem tampouco foi identificado por Darío Oses.
E será apenas quase um ano depois, no dia 3 de maio, que Neruda vai enviar um
bilhete para Matilde cumprimentando pelo onomástico e mandando uma flor. A
maioria das cartas data de 1973 e são aquelas enviadas quando Matilde quando viajou
a Europa no intuito de vender a casa que haviam comprado na França. Nelas, ou
não aparecem referências ao lugar de onde estão a ser escritas, que os dizeres
não deixam dúvida tratar-se de Isla Negra ou Isla Negra é, efetivamente,
mencionada: uma vez, com todas as letras
em caixa alta e outras três vezes, com o nome escrito por inteiro. E, ainda,
cinco vezes, usando apenas as iniciais e duma feita, a inicial da primeira
palavra e a segunda palavra por inteiro e, ainda, cinco vezes, usando apenas as
iniciais. Uma vez, a inicial da primeira palavra e a segunda palavra por
inteiro.
Neste ano de 1973, Neruda já se
encontrava enfermo. No entanto, ainda que, eventualmente, acometido de novos
achaques e, pelo que consta em uma de suas cartas, acamado, a escrita de
Neruda, nestas cartas, se apresenta, quase sempre, na horizontal, indicando um
estado de estado de espírito isento de pessimismo como seria o esperado. O que, sincero ou não, é reafirmado pelas
suas palavras ao ser atacado por uma nova infecção que, segundo a pessoa que o estava
cuidando, estava a melhorar, ele filosofa: Pero
no se alarme. A la lista de plagas una mas no importa.
Por vezes, sua escrita se mostra levemente inclinada para a direita. Uma
única vez, escreve nos dois lados da folha. Em contrapartida, muitas vezes, usa
as margens. Numa das cartas, escrita em duas folhas, na primeira delas, um
pouco ascendente e na segunda, na horizontal. Na sua margem superior, e escrita
ao contrário, a informação de que é bem cuidado pela pessoa que o atende.
Também, uma única vez, se permitiu escrever nos dois lados da folha. Às vezes,
escreve acima do logotipo e ao contrário dizendo sobre o modo como estava sendo
bem tratado e assinando no canto inferior direito, na vertical. Tais acréscimos
se relacionam a pedidos ou a informações sobre o carro ou neles seguem recados
para alguém. Ou se despede. Uma vez, no
lugar de seu nome desenha um minúsculo cão. Seis pequenos desenhos ele coloca
na margem da carta datilografada. Somente uma vez, nas últimas duas linhas da
carta de 18 de abril, usa outra cor de tinta o que se constitui uma exceção
pois sempre usa tinta verde.
Como
é de seu costume, Pablo Neruda continua a registrar a data em que escreve de
maneira bastante diversa. Numa das cartas de 1955, menciona o nome da cidade, o
dia do mês abreviado e o ano, também abreviado. Noutra, apenas o nome do mês
abreviado e o dia. Numa terceira, a data completa sem a menção da cidade e na
carta que segue o nome da cidade, o dia do mês. E de Berlim, escreve o nome da
cidade, o dia do mês, o nome do mês abreviado e o ano. Na carta de 1966, excepcionalmente,
anota a data apenas em números: 4-4-1966. Em dois bilhetes, acrescenta o
advérbio e o dia da semana: hoy 30 e domingo 7. Nos dois casos, completa a
informação na linha seguinte. O maior número de cartas do período em que o
Poeta e sua mulher já moravam na mesma casa é do ano de 1973: as que foram enviadas
a Matilde quando ela viajou para vender a casa em Paris. Em cinco delas, não consta
o ano. Inclusive a última delas que se refere à volta de Matilde, diz apenas, hoy sábado. Nas outras, Neruda escreve
dia, mês e ano, mas cada vez numa disposição diferente: em abril, numa delas; Isla
Negra e na linha de baixo, 16 de abril
73; dois dias depois, inicia a data com o ano abreviado, 73, seguido de Isla
Negra e na linha seguinte, 18 ab. Em maio, escreve 73, embaixo de I.N. [Isla
Negra abreviado], seguido de 7 de Mayo; no dia seguinte, escreve 8 de Mayo,
seguido, depois de uma vírgula, de 1973 e após um ponto as iniciais de Isla
Negra. Já no dia 11, começa com I.Negra, na linha seguinte Sábado 11 de Mayo e
na outra linha, 1973. Finalmente, uma exceção: quando coloca o ano e na linha
seguinte, viernes santo.
Todas estas cartas usam usted como pronome de tratamento. Quanto
ao vocativo, em três cartas eles não existem e nas demais se resumem a três: Amor e amor mio, Mi perra e Patoja, com suas variantes: mi
perra, perra mia, perra rica, mi perrona, sin perra, mi perrísima, Perríssima mia, Pat Hoja, adorada perrotilla,
patoja mia, mi Patoja, mi Patojera,
Patojita mia, Patojuna, Patojona, Mi Patojona, mi patojenta, Patojilla, Mi Patojina. E Mi Patoja adorada que aparece, também no
fim de uma das cartas cujo vocativo foi Amor.
No corpo da carta, antecedendo a promessa de que não mais irão se separar, os
epítetos: mujercita mia, fiera humana.
Quanto ao assunto, nas cartas que
enviou da Europa, Neruda conta o que fez em Amsterdam, em Bruxelas e o que lhe
parece importante: seu cotidiano, como dormir a sesta, relatar o sonho que
teve, anunciar que vestiu a última camisa limpa, tomar chá, ter estado com um
amigo cujo cão era igual a Donegal, ir às festas programadas, suas andanças por
Berlin, os trajetos que faz, com quem irá viajar, onde se hospeda e o que vê da
janela do hotel, sobre o livro de Volodia que acabara de ser publicado. Por vezes,
insere algumas linhas descritivas sobre o tempo: nieve por todas partes, Hace
un cielo Blanco, casi frio, um dia
velado y triste ou hay mucho sol y
hace frio en la calle. Também, o
que lhe é habitual, solicitar coisas como na carta em que pede a Matilde que
mande uns exames médicos para a Unión des Ecrivains de Moscou. Ou, anuncia ter
comprado batatas de tulipa para o jardim. E o pouco dinheiro gasto.
Já nas cartas de 1973, escritas em
casa enquanto Matilde viajava para a França, os assuntos das cartas são bem
mais prosaicos e por vezes mais do que terra à terra ao dar detalhes bastante
íntimos sobre a sua doença e as novas complicações que vão aparecendo, que
passou o dia na cama, que é medicado e atendido en todo por uma pessoa de nome Margarita que segundo diz es muy buena (me lava y me polmadea; me lava y me cuida). Ou que recebeu visitas
para almoçar. Triviais, as bisbilhotices sobre gente conhecida, os problemas
com o carro e, eventualmente, com a casa, as dificuldades com os empregados,
sua menção a dinheiro ou à falta dele. Como faz sempre, o pedido de coisas como
fumo, mucho tabaco e o que precisa
para limpar o cachimbo, remédios, carrancas, cachorros. Insistentemente,
Por ningún motivo deje de comprar la mesa de plástico y las sillas.
O
que, realmente, mudou nessas cartas onde prevalecem os assuntos cotidianos, foi
o tom em que foram escritas. Por vezes descritivo, por vezes narrativo, uma ou
outra vez lamurioso ao se queixar de solidão – nunca he estado más solo. E, embora enfermo, a recaída que o impede
de ir a Buenos Aires para receber Matilde quando volta da Europa, não parece
preocupá-lo porque aconselha: No se
amargue por esto, todo va bien y esto pasará.
E a não ser por um jogo de palavras em carta de 1966, mi vida se había hecho mendicante por falta no de talones, sino de talonários e uma
referência alegre aos “recados” para Matilde, que, no seu dizer, Catas, tórtolas, diamantes, y canários sin
excluir la Panda le mandan trinos, zumbidos y pelos (de la Panda), não mais
aparecem nessas cartas da fase “ Cuando el amor ya no se oculta”, as brincadeiras
que fazia nas anteriores. Em contrapartida, nelas se fazem presente a ironia, o
sarcasmo, a crítica.
Refere-se a um discurso que deveria
fazer sobre Praga, como discursito indicando
com esse diminutivo apouca importância que lhe estava dando. Aos norte-americanos
que o convidaram a participar no
Congresso do Pen Club em Nova Iorque, oferecendo-lhe duas passagens, ele chama
de buenos gringos, expressão que,
certamente, estava bem longe de ser cordial.
Três vezes se refere, como se tivesse contas a
ajustar, depreciativamente ao assim digamos, amigo Homero Arce que o estava
ajudando na redação de suas memórias. Porque não quis ir uma noite,
desculpando-se por falta de transporte, quando Neruda estava disposto a
escrever e, então, o chama de mañoso
(aquele que tem manias); outra vez, duvida de sua palavra (que sabia
dirigir porque havia aprendido de criança), assertiva que leva Neruda a
concluir: no tengo porque no creer a una
persona con antecedentes oficiales tan
correctos. E, ainda,
uma terceira vez, inamistoso escreve: Homero me causa preocupaciones por su manera de andar: descubri que se hace el
cojo, y por ese camino no se puede llegar muy lejos, sino a la cojera. Quanto às críticas, não se priva de fazê-las a
pessoas que lhe estão bem próximas. De Baltasar Castro, seu amigo de muitos
anos e que, inclusive, como lembra Dario Oses, na condição de Presidente da
Câmara dos Deputados, fizera gestões para apoiar-lhe a candidatura ao Prêmio
Nobel, comenta que ele deseja ir a Estocolmo e opina: es el colmo (é o cúmulo). De sua irmã diz: Laura es un fantasma tuerto, la pobre; de Margarita Aguirre, amiga
e comadre, opina que, na sua carta, manda novidades que parecem velhas; de uma
amiga que vai almoçar na sua casa observa que Ella con los labios blancos parecia uma negra. A cada momento decía
chucha como un Matta cualquiera. De Miguel Angel Asturias, que ao receber o
Prêmio Lenin disse ter ficado muito honrado e que depois protestou por la sentencia de los jurados diz que tal atitude pareceria de mal gusto. Se a
crítica aprece minimizada pelo uso do condicional, a amplia ao acrescentar Pero adivino que la estratégia de Blanquita [a mulher de Miguel Angel Asturias] es hacer ese movimiento envolvente para sacarse tambien el outro
premio. Assertivas que exprimem uma perversidade ao que tudo indica
injustificada pois as atitudes de Asturias não parecem lhe aportar nenhum
prejuízo e que se mostra estranha se relembradas as palavras de Neruda ao
evocar, nas suas memórias (Confieso que he vivido, 1974, p. 220) os dias que
passou na Guatemala quando ele e Miguel Antel Asturias estiveram juntos por uma
semana: Comprendimos que habíamos nacido hermanos y casi ningún dia nos
separamos. (NERUDA, 1974, p. 220). Amizade que será posta à prova quando o
escritor guatemalteco, em missão diplomática na Argentina onde Neruda chegara,
vindo do Chile, lhe cede o próprio passaporte para que Neruda possa burlar a
perseguição de que era vítima e viajar para Paris o que dificilmente poderia
ser feito em condições normais pois estava sendo (NERUDA,1974, p. 260) procurado
pela polícia de seu país. Sobre o filho de Alberto e Olga Mántaras que lhe
emprestaram a casa no litoral uruguaio para passar um fim de ano com Matilde,
comenta que ele apareceu sem avisar para o almoço e tan sombrio como antes y con
la chica que está mejor, mas gorditra y compensa la estolidez [a parvoíce] del ex-presidiario. De fato, Rafael
Mántaras fora detido, acusado de vinculação com os tupamaros segundo nota
explicativa de Dario Oses que também se refere à carta que Neruda teria escrito
ao casal amigo, não apenas convidando-os para passar o Ano Novo juntos como se
oferecendo: Si piensan que en algo puedo
ayudar piensa que haré lo que me pidan. E se permite, ainda, dizer de suas empregadas:
Su delirio es retratarse. Hoy vino un
fotógrafo especial, de el Tabo, a retratarlas. Por suerte la máquina no retrata
sus exalaciones. E, exceção, o emprego da palavra mierda para mostrar descontentamento face à falta de cartas de
Matilde.
Por uma vez, nessa correspondência,
Neruda não se despede. Numas poucas linhas escritas a bordo do avião que o
levava a Bruxelas, diz que está bem, acabara de tomar chá, que perdeu o chale (nuestro chal) e termina perguntando Y ud? Nas demais cartas as
despedidas enviam beijos: mil besos, besos mil, Besos y besos y
besos, Besos de su cane, Todos los besos de su cane, Todos los
besos de Su Suyo, Todos los besos de
su P., Un gran beso. Ou
acrescenta reafirmações de amor: Muchos
besos y todo mi corazón; Hasta pronto
mi Patoja adorada, cuídese y cuídeme;
Le mando millones de besos y algo mas; Esto
es todo, agregándole sólo los besos que se merece mi adorada Patoja; Todo menos
el dolor de no tenerla en mis brazos y besarla con tanto amor que nadie puede
disputarle; La quiero y la beso; Le antecipo algunos besos para Ud. y para los
canes; Todos los besos para su boca, todo mi amor para mi adorada perrotita.
Por vezes, as expressões de amor são
breves: para Ud mi corazón entero;La ama;
Perrotita, hasta luego; Hasta luego mi amor; La espero y la quiere.
Quatro
cartas, Neruda não assina. Numa delas, desenha um pequeno cão o que está em
sintonia com a assinatura da maior parte dessas cartas: quatro vezes escreve su cane.
Uma vez su can, outras vezes
Su Perro Cane, Su perro can. Também, Su
perro, su perro e su P [acrescentando] (de
Pablo y de Perro).Ou, y solo suyo. Nas demais, apenas P. (também antecedido do
possessivo su ou do possessivo
reafirmado pelo adverbio su suyo P.) Verdadeira exceção, a mensagem de duas
linhas em que assina seu nome completo: Pablo Neruda. E, assim esconder seu
nome poderia ter sido considerado, nas cartas pertencentes à primeira fase, uma
ingênua tentativa de nelas não revelar o nome do verdadeiro autor das cartas. Nesta
segunda fase, porém, tal cuidado não seria mais necessário uma vez que já
estava casado com Matilde. Eludir o seu nome, assinando a meias, teria, então,
um outro significado?
Ao viajar, na década de cinquenta,
Neruda lamentou que Matilde não estivesse com ele quando assistiu ao balé Romeu e Julieta em Varsóvia ou quando
passeou pela cidade velha de Bruxelas, considerando ser desleal ver, sozinho, a
sua beleza. Então, afirma e reafirma que la
próxima vez vendremos juntos; nunca nos separaremos; ya no volveremos a
separarnos. Referíndo-se a algum assunto de seu interesse diz que tudo será
resolvido menos el dolor de no tenerla en
mis brazos. E promete: espéreme que
haremos el mas lindo viaje bien apretados
los dos. Essa falta que Matilde lhe faz, ele irá, também, expressar quando
lhe escreve de Isla Negra. Ao mencionar que dez canários estão no quarto,
acrescenta que lhe falta o canário de Coihueco, isto é, Matilde cantora. Porém,
a não ser dizer-lhe que figura en el
sitio central de mi geografia, na carta em que reconhece serem as notícias
que lhe conta de poca extensión
geográfica, as declarações de amor irão se limitar a brevíssimas
expressões. Ou acrescenta reafirmações de amor: Muchos besos y todo mi corazón; Hasta
pronto mi Patoja adorada, cuídese y
cuídeme; Le mando millones de besos y
algo mas; Esto es todo, agregándole sólo los besos que se merece mi adorada
Patoja; Todo menos el dolor de no tenerla en mis brazos y besarla con tanto
amor que nadie puede disputarle; La quiero y la beso; Le antecipo algunos besos
para Ud. y para los canes; Todos los besos para su boca, todo mi amor para mi
adorada perrotita. Por vezes, as expressões
de amor são breves: para Ud mi corazón
entero; La ama; Perrotita, hasta luego; Hasta luego mi amor; La espero y la
quiere.
CONCLUSÃO
A epistolografia de Pablo Neruda é
muito vasta e dela fazem parte as cartas de amor que foram salvas porque é
muito provável que algumas tenham sido perdidas e outras ainda permaneçam
desconhecidas. Como companheira e musa maior de sua poesia, Matilde Urrutia é
destinatária das expressões de um grande poeta mas, também, depositária de
informações sobre itinerários percorridos, situações vividas que revelam idiossincrasias
expressas na espontaneidade de uma primeira pessoa que se dirige àquela a quem
sentimentalmente está ligado.
Jorge Edwards no Prólogo ao livro de
Abraham Quesada Vergara, Correspondencia
entre Pablo Neruda y Jorge Edward diz que o Poeta era um corresponsal chistoso, chispeante, bromista (QUESADA
VERGARA, 2012, p.13). Facetas que não estão ausentes nas suas cartas de amor
para Matilde Urrutia como, também, se constitui algo de comum na sua
correspondência o habitual uso de apelidos. E, como já o fizera Stendhal nas
cartas que escrevia, colmadas de brincadeiras e invenções de nomes e, no entanto,
circunspectas em relação a determinadas pessoas, assim, também, dependendo do
destinatário escreve Neruda. Que sirva de exemplo a carta que escreveu a Don
Carlos Ibañez del Campo,então Presidente do Chile, reivindicando seu direito de
eleitor, anulado ao ser promulgada a lei que declarava proscrito o Partido
Comunista do Chile e impedia seus militantes de votar (NERUDA,1978, P. 341). Ou
aquelas que escreveu ao poeta equatoriano Jorge Carrera de Andrade nas quais,
no entanto, não resistiu à tentação, como sempre soia ocorrer na sua
correspondência para Matilde, de encomendar coisas. No caso, como o poeta
equatoriano estivesse nos Estados Unidos, onde, segundo Neruda, havia lojas de caracóis, pediu-lhe dois
exemplares famosos, o Tridacna Squamosa e o Argonauta Argo para a sua coleção
(QUESADA VERGARA, 2012, p.51).
Estas cartas para Jorge Carrera
Andrade se apresentam segundo os modelos usuais, com data, vocativo, despedida
e assinatura com o seu nome completo. Não as que escreveu, para Jorge Edwards
em que, muitas vezes, inventa-lhe apelidos, (um deles, Pedwards, usado quando
está, por alguma razão, descontente com ele). Igualmente, em relação às datas,
omite alguma vez, o ano. Também, o lugar de onde escreve, talvez porque isso
fosse evidente ou porque, ao usar o papel timbrado de Isla Negra acreditasse
ser desnecessário mencioná-lo.
O presente estudo das cartas de amor
de Pablo Neruda a Matilde Urrutia se constitui, sobretudo, um trabalho
descritivo que se detém no papel em que as cartas foram escritas, nos detalhes
quando à letra e sua disposição na folha, nos elementos usuais da missiva como
data, vocativo, assunto, assinatura, mas, também, nos sentimentos que foram
expressos no intuito de tentar compreender a idiossincrasia do homem que as
escreveu. Pablo Neruda não brincava com
seu nome próprio [...] diz Jorge
Edwards (QUEZADA VERGARA, 2007, p. 14). No entanto, nessas cartas de amor para
Matilde foi sempre o que ele fez assinando-as de muito diversas maneiras e,
apenas, uma vez no dia COMPLAR Pablo Neruda.
Muitas outras cartas de amor e para
outras destinatárias o Poeta escreveu. Albertina Azócar, um grande amor de sua
juventude, recebeu dele mais de cem cartas (LOYOLA, 2014 p.79). Tereza Vásquez
destruiu as cartas recebidas depois de tê-las transcrito, permitindo, assim que
fossem publicadas como as de Albertina Azócar nas Obras completas, V, organizadas por Hernán Loyola. Para Delia del
Carril, durante o tempo em que com ela viveu também escreveu muitas cartas. Já
separada do Poeta, ela as emprestou para um amigo e, até 1997 elas não haviam
sido recuperadas. (SAEZ, Fernando, 1997, p.210). Escrita em diferentes momentos
de sua vida, abrangendo juventude, maturidade e últimos anos, essas cartas de
amor se abordadas sob um prisma comparativo, poderiam talvez, ser reveladoras
de um algo mais desse universo amoroso do Poeta que ainda intriga ao permanecer
protegido nos seus mistérios. Um estudo
que poderia resultar instigante, pois, se algum mistério chegasse a ser
revelado, outros tantos, certamente surgiriam em meio aos muitos segredos. Segredos
que, presume-se, os amorosos nunca irão permitir que se desvendem.
Referências bibliográficas.
LOYOLA, Hernán. Obras completas de Pablo Neruda. V.5. Barcelona, Galaxia
Gutemberg, 1999-2002
________. El joven Neruda, Santiago de Chile, Penguin House
Grupo Editorial, 2014.
NERUDA,
Pablo. Cartas de amor. Edición,
introducción y notas de Darío Oses. Barcelona, Seix Barral, 2010
________. Confieso
que he vivido, Barcelona, Seix Barral, 1974
Para nacer he nacido. Barcelona, Seix Barral, 1978
QUEZADA VERGARA, Abraham. Correspondencia entre Pablo Neruda y Jorge Edwards. Santiago de Chile,
Alfaguara, 2007
____________________. Pablo Neruda y Jorge Carrera Andrade, Quito-Ecuador,
Libresa, 2012
SAEZ, Fernando. Todo debe ser demasiado.
Biografia de Delia del Carril. La
Hormiga. Providencia. Chile, Sudamericana, 1997
Cecilia Zokner in Scripta Uniandrade, Curitiba, Vol.13, n.1 (2015)