Com Residencia en la tierra – diz Rodriguez Monegal no seu magistral
livro
El viajero inmóvil – começa a obra verdadeiramente criadora de Pablo
Neruda. São versos que se agrupam em dois livro, Residencia en La tierra 1,
Residencia en la tierra 2 e nas duas
primeiras partes de Tercera residencia cuja
feitura está compreendida entre 1925-1931, 1931-1935 e 1934-1935,
respectivamente. Traduzem esse momento vivido pelo Poeta, como o refere Jorge Edward ( Adios Poeta, Pág. 27) demasiado amargo, escuro,angustiante que, finalmente só lhe apresenta
duas alternativas: a auto destruição, o suicídio ou a saída à saúde mental e moral que somente podia se consistir numa saída da solidão para a
solidariedade. E isto iria acontecer, como é sabido, a partir do vivenciado
na Espanha quando a sua perplexidade irá se nutrir da violência, das lutas, das
injustiças ocorridas no cenário da Guerra da Espanha. Antes que tal ocorra, sua juventude e
circunstâncias – a pobreza, a solidão da vida em país alheio – o mergulham
nessa angústia existencial que faz dele o
poeta hermético, misterioso,
angustiado, inspirador que se mostra nos poemas compreendidos entre “Galope muerto” de Residencia en La tierra
1 e “Las fúrias y las penas” de
Tercera Residencia como constata, ainda, Jorge Edward (págs.18,34).
Residencia
en la tierra 1, ese pequeño libro
[...] diccionario atormentado de mis indagaciones
personales como, o irá definir Pablo Neruda, anos depois, em Para nacer he nacido, ( pág. 228) é
feito de vinte e oito poemas (e cinco textos em prosa), agrupados de forma díspar
em quatro partes de vinte, um, quatro e três poemas. Hernán Loyola em Neruda, la biografia literária (pág .407)
não ignora a série de interrogações presentes em Residencia en la tierra 1
ao dizer que se trata de uma via
retórica muito frequentada por Neruda neste livro e sugere respostas que
elabora, ao analisar, por exemplo, o poema “Monzón de mayo”: uma
simbologia contextual a partir dessas circunstâncias naturais ou físicas que
constituem o vertebral de sua vida
cotidiana, sem a presença estável de uma mulher. Além das interrogações
presentes nesse poema, elas também aparecem em versos de “Galope muerto”,
“Sabor”, “Diurno doliene”, “Monzón de Mayo”, “Sonata e destrucciones”, “El
fantasma del buque de carga”, “Cantare”, “Trabajo frio”, “Significas sombras”.
Alfredo Losada, citado por Hernán
Loyola (na obra acima referida, pág. 522), supõe tratar-se de uma figura
feminina o interlocutor a quem o Poeta dirige suas interrogações. Por sua vez,
o próprio Hernán Loyola considera como um desdobramento
do próprio enunciador, instando-se a si mesmo - com retórica interrogativa – a
tomar consciência de sua situação através do sistema temporal. Quem sabe,
esse Dime, Imperativo que inicia o
poema “Trabajo frio” e verbos na segunda pessoa (no oyes, no sientes) possam significar o desejo de decifrar os
mistérios do passar do tempo: a noite que retorna, o correr dos rios, lembrando
a metáfora tradicional que superpõe o correr da água dos rios com a passagem do
tempo (ambos sem retorno); a escuridão, invadindo espaços, obediente ao
movimento do sol, a vitória do tempo no traquinar dos seres, tornando-os
sujeitos ao sentimento que, finalmente, é mencionado na última expressão do
último verso: a solidão. A solidão ensejando perceber o indefinível. Então,
querer compartilhar e, para isso, estabelecer um possível diálogo provocado
pelas perguntas: no oyes acaso, el sordo gemido? [no ressoar do tempo]; não sentes
a insistente noche que vuelve?; No
escuchas la constante Victoria [do tempo], y añadiendo su triste hebra? Pertinente,
então, presumir que esse interlocutor a quem se dirigem as perguntas seja
qualquer ser humano ou o próprio Poeta a inquirir, a inquirir-se sobre o quê
não tem resposta ainda que ela seja pertinazmente perseguida.
No poema “Diurno doliente”, o Poeta
está presente nesse pronome possessivo de primeira pessoa a circunscrever algo
de concreto (mi lecho amarillo, mi pecho)
ou de indefinido (mi término escaso, mi
débil producto, mi substancia estrellada , mi poder, mi duelo, mis separaciones. Ele interroga sobre sons ( Ahora, qué imprevisto paso hace crujir los caminos? […]
qué sonido de carro viejo con espigas?),
sobre o quê leva consigo (ressentimentos,
hereditárias esperanças, ajudas ternas e dias translúcidos); sobre quem, ao
mesmo tempo lhe está próximo ou distante.
Ou, interroga sobre imagens – um rosto de cristal, uma estação triste, o
etéreo de uma névoa úmida
Nos
demais poemas há um repetir-se de perguntas introduzidas pelo advérbio donde (onde) a procurar um espaço
poético, uma inspiração que o seu entorno – a desesperança que lhe trás um dia
vazio (sedentário y húmido sin su próprio
cielo), o vento, a chuva – lhe negam: Dónde
está su toldo de olor, su profundo follaje / su rápido celaje de brasa, su
respiración viva? (“Monzón de mayo”).
Ou, a interrogação é marcada pelo pronome interrogativo quién (quem), buscando uma identidade que, no entanto, se refere si
mesmo no verso: Quién puede jactarse de
paciência más sólida? (paciência
diante de conversas gastas, palavras ocupadas em servir, subservientes, outras vontades) e que ele responde ao
se explicar como aquele que vive envolto
em prudência, pleno de essências de cores anódinas, que se move repleto de
águas paradas como imóvel está o seu
sentimentos, vigiado aquilo que pensa (“Sabor”).
Também em “Sonata y destruiciones” busca uma identidade na terceira estrofe,
toda ela feita de interrogações: Quién
hizo cerimônia de cenizas? / Quién amó
lo perdido, quién protegió lo último?/ El
hueso del padre, la madera del buque muerto,/ y su próprio final su misma
huída,/ su fuerza triste, su dios miserable? Se
a sua poesia somente sabe nutrir-se do concreto mundo circundante – assim o afirma
Hernán Loyla na página 355 do seu livro acima citado - a pergunta contida no
primeiro verso dessa terceira estrofe pode remeter aos rituais funerários birmaneses
vistos por Neruda da sacada, nos dias em que
viveu na casa de Jose Blis (ainda segundo Hernán Loyola). Os que
se lhe seguem podem remeter aos sentimentos advindos do que deixou para trás ao
sair do Chile, especificados num elo familiar que a morte aniquilou como
também, aniquilado se mostra o barco e esse alguém cingido pelo fim, pela fuga,
por uma força e por um deus que se estiolam na negação. Alguém que em “El
fantasma del buque de carga” irá, na interrogação - : Quién es ese fantasma sin cuerpo de fantasma,/ com sus pasos livianos como harina noturna / y
su voz que sólo las cosas patrocinan? – se delinear nas desesperanças e
negações do próprio eu. Outras
perguntas, buscam, por sua vez, a
matéria, a identidade das coisas: Ahora
bien, de qué está hecho ese surgir de palomas / que hay entre la noche y el tiempo como una
barranca húmeda? (“Galope muerto”) ; ou perscrutam perigos: Contra qué levantar el hacha hambrienta /
De qué materia desposeer, huir de qué rayo?; indagam de um incerto e precario caminhar: Qué reposo emprender, qué pobre esperanza
amar / con tán debil llama y tan
fugitivo fuego? (“Monzón de mayo”).
E, cristalizando almejar um interlocutor na estrofe do poema
“Cantares”, Para quién y a quién en la
sombra / mi gradual guitarra suena / naciendo en la sal de mi ser / como el pez
en la sal de la mar? a resposta será dada muito clara e prosaicamente na
última estrofe do mesmo poema, quando se
mostra desconsolado e sem rumo: Sobrevivo
en medio del mar / solo y tan locamente herido, / tán solamente persistiendo / heridamente
abandonado .
No
último poema de Residencia en la tierra
1, “Significa sombras” a se iniciar com versos em que indaga (presença do eu a constar no possessivo
de primeira pessoa na estrofe seguinte) sobre um futuro que, prolongado do
presente – el camino entre las estrellas
de la muerte –vem de um tempo pretérito incomensurável: muchos dias y meses y siglos. Uma
inquietude já presente em “Galope muerto”, o primeiro poema do livro quando pergunta Es que
de dónde, por dónde, em que orilla? sintetizando o desejo de encontrar um lugar, talvez ideal que só irá encontrar
dentro de si mesmo, um dia. Porque no isolamento e solidão em que vive no
Oriente - Estaba separado del mundo mío por la distancia y por el silencio, y
era incapaz de entrar de verdad en el extraño mundo que me rodeaba diz em Confieso
que he vivido, pág.137 – ele está prisioneiro da inquietude e da tristeza.
Então, quando em carta a seu amigo Eandi, citada por Rodriguez Monegal, lhe
pergunta se não está rodeado de destruições, de mortes, de coisas aniquiladas,
se não se sente obstruído no seu trabalho por dificuldades e impossibilidades,
está perguntando tudo isso também a si mesmo. Ou seja, no dizer do critico
uruguaio, Emir Rodriguez Monegal, está desenhando
a sua própria agônica situação. Que irá se expressar num dizer que o
próprio Neruda rotula de melancolia
frenética, de estilo amargo e que, talvez, por um sentimento de pudor,
resulte no que os críticos consideram o hermetismo desses poemas de Residencia en la tierra 1. Um
hermetismo que, eventualmente, pode ser ou procura ser desvendado a partir de
circunstâncias da vida do poeta, documentadas em correspondência ou testemunhos
como o faz, por exemplo, Hernán Loyola. Ou se nega à suposições esclarecedoras.
Porque essas vinte e seis perguntas
que se inscrevem em Residencia em la
tierra 1, expressão das dúvidas do Poeta – e o passar do tempo, e a solidão,
e os sentimento de mágoa, e o lugar incógnito desejado, e a própria imagem
difusa e os elos perdidos – pela sinuosa beleza e mistério que as habitam se
bastam a si mesmo. E prescindem da objetividade das respostas.
Curitiba, 4 de julho de 2013. Inédito