Para tua sede negaram a água que criaste.
Pablo Neruda.
O
poema “Dura elegia”, que lhe escreveu Pablo Neruda foi reproduzido em cartões
postais que percorreram o Continente. Contrariando a afirmação dos embaixadores
do Brasil que, submissos às ordens superiores, designavam seu filho como um
delinquente comum, Leocádia Prestes viajou pela França, Suíça, Alemanha,
Inglaterra, em busca de ajuda para livrá-lo da prisão arbitrária e das torturas
a que foi condenado pela ditadura de Getúlio Vargas. E, para, igualmente,
salvar Olga Benário, sua mulher e sua neta, ainda bebê, dos cárceres nazistas.
Determinação e coragem surpreendentes numa época em que, diz Jorge Amado (Vida
de Luís Carlos Prestes: O Cavaleiro da Esperança, São Paulo, Martins,
1947), à mulher, competia casar bem e se
limitar ao lar, aos pensamentos do marido, sem se interessar pelo que se
passava além das fronteiras de sua casa
e em que ler um romance era um ato quase
imoral. Mas, Leocádia, queria ler jornal e saber de política; queria ir
para a Escola Normal, ser professora e ensinar crianças pobres a ler,
enfrentando, nesse afã de participar, de ajudar, os preconceitos do mundo que a
rodeava. Igualmente rebelde, o homem com que se casou, Antonio Pereira Prestes,
que fugiu de casa aos treze anos para se alistar no exército quando sua mãe,
acreditando na superioridade da nobreza, lhe desejava um futuro na corte. Tiveram um lírico noivado nas ruas de Porto
Alegre e juntaram num casamento suas rebeldias adolescentes, diz Jorge Amado. Depois, uma vida difícil porque
Antonio Pereira Prestes, abatido por uma longa enfermidade, morreu cedo, no Rio
de Janeiro para onde se transladara com a família em busca de recursos médicos.
Deixou um parco montepio de capitão e cinco filhos, dos quais o mais velho não
tinha, ainda, dez anos. Leocádia foi obrigada a trabalhar para lhes prover o
sustento, dando aulas de francês e de música para os poucos alunos do bairro pobre
onde vivia; ou costurando, quando os alunos rareavam, vestidos de fazenda
simples e feitios baratos. No seu tempo livre, cultivava o jardim e cuidava dos
pássaros, sem permitir jamais que a vida difícil e trabalhosa a desviasse do
sonho de fazer de seus filhos pessoas dignas para quem a honra estivesse acima
de tudo.
Quando
a marcha revolucionária, sob as ordens de seu filho, se desfez, refugiaram-se,
os que dela faziam parte, na Bolívia e, depois, na Argentina. E foi em Buenos
Aires que, em contato com os líderes dos partidos políticos, ligados ao
proletariado, Luís Carlos Prestes se inicia nos estudos marxistas o que o leva
a se filiar ao Partido Comunista Brasileiro e a partir para URSS. Em novembro
de 1931, chega a Moscou com a mãe e as quatro irmãs. Um de seus intuitos,
aprender o que representavam essas teorias estudadas para a solução dos
problemas de seu país que ele almejava fossem resolvidos. E, para isso, retorna
ao Brasil, em 1935, incógnito, para preparar a revolução comunista. No Rio de Janeiro,
protegido por um forte esquema de segurança e auxiliado por elementos
preparados para tal, trabalha sem descanso para por em prática o levante que
ordena seja no dia vinte e sete de novembro, às três horas da madrugada.
Realmente, diz Fernando Morais em Olga (São Paulo, Alfa-Ômega, 1989)
começou às três da madrugada e acabou à
uma e meia da tarde, deixando os
seus seguidores na ilegalidade e sujeitos `a uma terrível repressão policial
que a traição do Secretário Geral do Partido, tornou sobremaneira eficiente.
Luís Carlos Prestes e sua mulher grávida foram presos.
Tomando
conhecimento, em Moscou, que o filho e sua mulher estavam nas mãos de Filinto
Müller, Leocádia decidiu lutar para que fossem liberados. Com a filha Ligia,
viajou para a Espanha onde, em comícios, organizados em todo o país, ela pedia,
não somente pelo filho e sua mulher, mas por todos os presos políticos do
Brasil. Depois, foi a peregrinação a Paris, Londres, Genebra e Munique. Ao
saber que a mulher de seu filho havia sido entregue pelo governo brasileiro aos
nazistas, viajou a Alemanha para vê-la o que não foi permitido. Tentou recorrer
à mãe de Olga Benário, a única pessoa, segundo os nazistas, em condições de
ajudá-la a provar a filiação de neta, o que significava lhe evitar a morte.
Mas, como relata Fernando Morais, ela não permitiu a Leocádia terminar de dizer
o que estava ocorrendo para exigir que se retirasse, para responder que nada
tinha a ver com a comunista presa em Berlim. Restavam, então, os difíceis
caminhos pelos meandros burocráticos instaurados pelos nazistas, de aquém e de
além mar, a fim de obter os documentos que eram exigidos para ter a guarda da
criança. Uma luta ferrenha que iria durar muito tempo e que não fosse pelo
resgate da neta das prisões nazistas onde havia nascido, poderia ser
considerado inglória, pois não iria conhecer sua nora Olga Benário, morta num
campo de concentração e não mais iria rever o filho. Enquanto persistia na
trabalhosa e sofrida busca para tirá-lo e a sua mulher e a sua neta das garras
nazistas – viajando, pedindo, contratando advogado – Leocádia Prestes também se
preocupava em fazer chegar à prisão, pacotes de alimento para a ajudar a
amamentação da menina; em preparar um pequeno enxoval; em escrever cartas, que
muitas vezes não eram entregues.
No
dia 21 de janeiro de 1938, no presídio de Barnimstrasse, em Berlim, segundo
conta Fernando Morais, recebeu a neta Anita Leocádia das mãos da
enfermeira-chefe da prisão e ainda com medo de imprevistos que lhes impedissem
a saída da Alemanha, partiu, imediatamente para a estação de trem. Contudo, na
França ou na Espanha, países em que havia feito a campanha pela liberação de
Olga e de Anita Leocádia, sua neta, era visada pela Direita. Diante de uma
Europa ameaçada pelo poder nazista em ascensão e a impossibilidade de voltar ao
Brasil decide partir com a filha Ligia e com a neta para o México.
E
é no México, quando Olga Benário já havia sido executada no campo de
concentração, e mal sabendo do filho, que irá morrer Leocádia Prestes, em julho
de 1943. O Ministro da Guerra do México, ex-presidente do país, General Lázaro
Cárdenas, pede ao Governo brasileiro, liberdade para que Luís Carlos Prestes
assista ao funeral da mãe. Pablo Neruda, que era, então, cônsul no México,
intercede oficialmente, junto à Embaixada brasileira. O pedido é negado e o
Poeta, indignado como tantos, comparece ao enterro, levando flores e um poema,
que será publicado na imprensa, no dia seguinte e incluído no livro Tercera
Residencia (Buenos Aires, Losada, 1947).
Nele, é louvada por ser a mãe de
Luís Carlos Prestes, e também pela coragem, perseverança e firmeza que a
conduziram na luta pela vida, pela liberdade de seu filho.
E
dirá Jorge Amado: velha mulher de cabelos
encanecidos, de rosto marcado pela dor, magnífica
figura de mulher, gloriosa na sua
velhice, impressionante Leocádia.
Cecilia Zokner in Literatura do Continente, O Estado do Paraná, Curitiba, 16
de maio de 2004
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